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Nem sempre sou quem escrevo, mas sempre sou quem escreve.

quinta-feira, 14 de março de 2013

A árvore das almas

se tudo o que for
é o que olho no espelho
que desperdício sou
pois se não há verdade
somos todos Deuses
que se vão com o tempo.

sou verdade
matéria finita
espírito eterno
sujeito a quem me fez assim
volátil

sábado, 9 de março de 2013

A vida não é

Lembro-me de minha mãe, no leito de morte, em um último suspiro, dizer: "Filho, a vida não é só poesia". E a ironia é que este foi o momento mais Hollywoodiano da minha vida, foi um vídeo-poema, se minha vida fosse um vídeo. Mas ela não é.

Aos sessenta eu fumaria charuto e saberia versar sobre qualquer assunto: entenderia tudo e todos e explicaria de uma forma que ninguém entende porque é tão pessoal...mas as pessoas no fim das contas absorveriam pouco e suficientemente para escreverem uma tese ou experimentarem um transe de tão metafopoético o que havia sido dito com tanta precisão. Aos cinco já tinha noção do que era poesia. Já rimava, ritmava, cantava muito desafinado, porém interessado no que aquilo tudo me proporcionaria. Sentimentos profundos, intensos e conhecimento além do imaginável. Brilho e luzes. Holofotes, sorrisos, poesia por felicidade.

Aos 24 seria poeta, músico, plástico, cineasta.
Aos 25 arranjei o emprego da minha vida numa empresa X. O salário era bom, alto.
Aos 26 vi que o estresse havia tomado conta do meu corpo. Era venoso, visceral, já era meu: o emprego que não queria, que não acreditava, a carreira que não almejava, o que não havia planejado. A intensidade dos sentimentos havia ido embora.
Aos 27 casei e aos 30 fui feliz pela primeira vez.
Não escrevia mais poesia. Não havia mais olhar clínico para desvendar a metafísica das coisas. O que sobrou de Deus foi só sua ajuda e confidência. Nunca mais daquelas conversas subvertidas. Minha mulher não dizia mais "eu te amo".
Minha mãe morreu e eu vi que nem tudo era poesia.
E daí em diante virei poeta, músico, plástico, cineasta. Do jeito que minha mãe era: sem notar.

Aos 60 eu almejo a aposentadoria porque não aguento mais meu emprego. Mas encontro beleza na constância. Minha mulher ainda está aqui. Meus filhos não mais.
Se a intensidade é uma batalha, a constância é a guerra. A intensidade torna-se vulnerável frente ao meu corpo cansado e carcomido pelas experiências de um mundo que suprimiu minha habilidade de desenhar.
Porém não sento mais em uma cadeira como um velho estúpido, grosseiro e arrogante que diz coisas bonitas. Posso dizer as feias, mas elas são constantes.

A vida não é tudo o que a gente pensa.
mas ela pode ser feliz.

domingo, 3 de março de 2013

Heroína

Mãe, mãe, mãe... por que viagem é com gê e viajar é com jota?
Ah, meu filho, não sei.

O filho fez uma cara de tristeza porque estava naquela fase de acreditar que a mãe sabe de tudo. E a mãe estava naquela fase de olhar para o filho exacerbando tudo o que ele sente. Uma fase que só acaba quando a mãe morre. Ele precisava de uma heroína.

Ah, lembrei!
(o filho quase saltou da cadeira do ônibus)
O gê e o jota eram grandes amigos. Tão amigos, mas tão amigos, que gostavam das mesmas coisas e tinham um som parecido. Um dia alguém resolveu que a palavra Viagar seria com gê. Mas o jota adorava Viajar. Era até mais bonito. O gê, porém, não queria abrir mão da Viagem e os dois acabaram brigando. Depois da briga o gê, magoado, até passou a assumir outros sons. Viagar, agora, era errado! O jota e o gê viram que a briga era estúpida e resolveram dividir as palavras: o gê ficaria com a Viagem, e Viajar seria do jota. Os dois viagjariam. Juntos.

O filho tinha certeza que era mentira, mas fingiu que acreditou. Afinal, a mãe dele sabia de tudo.