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Nem sempre sou quem escrevo, mas sempre sou quem escreve.

terça-feira, 23 de dezembro de 2014

Bolso

Pôs a mão no bolso. Havia algo ali. Mas era quase-líquido, de sorte que se tentasse, não segurava. Tentou. Não segurou. Aí o desespero se fez corpo, receptáculo da coisa que, liqueforme, agora era desespero também.

Ah, quando não possuimos o saber estamos diante do juízo final. E estamos condenados, certamente.
Afinal, o que era aquilo no bolso? Tomara que não fosse nada.

Tomara que não fosse ele mesmo.

segunda-feira, 17 de novembro de 2014

Nonada

Achei no chão do meu quintal,
no roçado,
uma página de uma coisa complicada
dificil de filosofia.

Homem-burro que sou,
só sei plantar,
Cavei o chão, pus ela lá.
Dois anos depois, acredite só, nasceu um pé-de-livro!

Aí tomei, e comi, me fartei.
Afinal, o que mais fazer com o fruto de saber,
se nem abêcê aprendi?
Só sei plantar e comer.

E ela encheu meu bucho.
E sobrou pro zé, pra antônia,
sem contar os pivete que pulavam o cerco
pra roubar tal de fucô, tal de chope.

Veio um velho metido,
disse que era pra ler, aprender,
crescer como indivído.
Que não devia comer livro.

Ah, que fazer com um fruto desse
que plantando dá aqui,
se não tomar, comer, me fartar?
Só sei isso. Não sei de nada.

domingo, 26 de outubro de 2014

Sou

Aquela árvore rosa
japonesa
que eu não lembro o nome

sábado, 25 de outubro de 2014

Será

Tanta coisa trouxe a gente aqui
E cada uma veio de um lugar
É como se todos os ventos
Se juntassem onde a gente está

E ninguém pode dizer
Nem mesmo saber, pra onde apontar
Das minhas falhas não sou eu quem cuido
A mim cabe querer andar

No fim do dia, todo mundo mora
No olho do furacão
E acha que pode explicar
Escrever o que diz
Numa tábua qualquer

Aceitar que não dá, talvez
Seja a melhor opção
Vai doer não ser dono de si
Mas vai passar.

quando a luz bate atras de você
não ha detalhe, não.
uma massa escura.

foi quando o sol se pôs em você
e não me entenda mal,
eu queria o dia pra mim. 

e eu fico parecendo cristo,
porque dói
mas na verdade 
não há marcas nas minhas mãos.
e foi ele mesmo quem pediu 
pra eu não me martirizar
ou será que ele pediu?





terça-feira, 21 de outubro de 2014

A culpa é do Batman

- Caô.
- Juro. Tô te gastando não, cara.
- É sacanagem, não é possível.

Entenda, aqui, que as discussões de bar em algum microcosmo do Rio começam, em maioria, sempre assim. Terminam no trigésimo casco, com alguém voltando pra casa de busão e percebendo só no dia seguinte que roubou o copo americano.
Mas discutir e/ou revelar é o que move uma mesa que antes estava quieta.

- Aê, esse aqui é o Gil. Gil, Fábio, Fábio, Gil.
- Colé.
- E aí man.
- Mas diz aê Bin, viu o fluzão doutrinar ontem?

O amigo em comum chamava-se Bin. Não me pergunte porquê, mas alguém um dia chamou ele de Bin, e aí a coisa se institucionalizou. Ninguém sabia o nome dele até adicionar na internet: Ricardo Gomes (Bin).
Bin era o PMDB das amizades. Jogava pros dois lados, sempre, nunca polêmico, nunca muito agressivo - tinha medo de que o pessoal não gostasse dele. Sabia de tudo um pouco, mas nada muito.

- Vi, rapaz. Jogaram bem, né? E o Fred!
- Fred jogou mal pra cacete.
- É.

Quem sabe vai entender que, lá pra sexta garrafa, dá vontade de mijar. E aí já era, geral levanta, mija, volta, come uma isca de peixe, molha no rosê, dá um gole, levanta, mija de novo... Gil, até agora quieto, meio excluído, foi no banheiro. O banheiro era espelhado dos dois lados da cabine do mictório, estreito o suficiente pra ele ver pelo menos umas dez cópias dele mijando ao mesmo tempo. Deu aquela angulada no corpo, apoiou uma mão na parede...

- Esse teu amigo aí hein cara? Não fala nada.
- Ele é gente fina, man. Só é meio tímido.
- Que merda hein. - Deu uma risada alta e um tapa nas costas de Bin, puxou sua cabeça contra o peito dele.
- Acontece. - Bin não tava muito feliz ali, tava rolando uma pizza debaixo do ombro de Fábio, perto do cavalo da blusa dele.

Gil chegou, sentou. Era meio tímido mesmo, tava difícil falar alguma coisa. Parecia que fábio ocupava as quatro cadeiras da mesinha. Pediu gurjão de peixe. Até aí tudo bem. Estranhou Bin comendo aquilo ali meio forçado. Olhou a menina que passou, acendeu um cigarro. Era a vez de Bin ir no banheiro. Na cabine apertada, Bin tava tão distraído que nem percebeu suas cópias. Lá fora começou a passar um MMA na tevê, era a luta do Mick The Brick contra o brasileiro Júlio Pedra. A porrada cantou.

- Boa, Júlio. - Disse Gil quando o lutador acertou uma na cara do Brick.
- Sou fã desse cara!! Luta demais. Muito rápido.
- Estudei com ele no 2o ano. A gente se fala até hoje no Whatsapp.
- Caô.

Assim a coisa desenvolveu pra Gil e Fábio, num momento pequeno em que Bin tava lá aliviando, e depois parou pra conversar com um amigo que tava passando na rua. Não conseguia ignorar, e o cara falava pra cacete. A conversa dos que estavam sentados foi indo, passou pelas meninas que passavam no bairro pra quem vota em quem, e depois fluiu pra histórias de época de escola, essas lendas de botar ki-suco na caixa d'água e todo mundo beber suco de uva durante uma semana... Chegou no filme do Batman que tava no cinema. Que filme merda. O Batman tinha mamilos na armadura.

- Nossa man, ridículo demais! Aquela parte da luta. Dá pra ver claramente que é falso. - Fábio gostava de filme de ação.
- E o roteiro! Ridículo cara. - Nesse momento Bin veio chegando.
- Aí Bin, e aquele filme escroto do Batman de mamilos?

Taí uma coisa que Fábio não sabia, mas Gil sim: Bin era fã do Batman. Mas muito fã mesmo. Seu lençol era do Batman. Seu protetor de tela do celular, sua capa do facebook, até o caderno da faculdade era do Batman. Esse fanatismo era porque seu pai, falecido há muito tempo de câncer, se vestia de Batman todo Natal pra entregar os presentes. Essa tradição era tão lógica quanto o apelido de Bin.

- Vai a merda, Fábio.
- UOOOOU
- Que isso, cara?
- Ele é fã do Batman, man! Cê não tava ligado não?
- Caô.
- Sério.
- Hahahaha que escroto Bin, tu é fã do que no Batman? Do peitinho dele?
- Tu ta me gastando assim, mas fica passando noite acordado jogando Lol, coisa de virjão! De merda.

Aí. Ferida exposta dos dois lados. De um lado, um RPG online cuja comunidade ia de gente esquisita até gente esquisita. Do outro, uma comemoração natalina bastante peculiar. Bin xingou os dois e saiu bolado. Fábio ficou meio sem graça, afinal, não era nem um CS, era Lol.

No trigésimo casco, Fábio pagou uma parte generosa da conta, e foi embora de taxi. Naquela noite não teve aventura virtual. Gil pegou um ônibus mesmo. Ligou pra uma menina que ele tava afim. Bin chegou em casa andando, morava perto. Acordou no outro dia com uma certa dor de cabeça, percebeu o copo na sua pia. Ele tinha um amigo a menos. Culpa do Batman.



domingo, 19 de outubro de 2014

Tremeluzir

As mágoas do saber são rubras.
Bom tempo pra estar na beira de um lago
E se ver.

Dura é a imagem espelhada.
É esquecer a lágrima,
Jogá-la ali
Pra deixar de ser
Virar lago,
Tremer quem sou
(Ou quem penso ser)

Manchar aos poucos a água
Com a minha própria consciência.
Gotas de sangue num plasma,
Luz que incide por trás,
Revela a noite em si:
As mágoas do saber são rubras.

quinta-feira, 4 de setembro de 2014

Só eu falo

O despertador tocou as 6, religiosamente.
Zé levantou, jogou uma agua no rosto, resmungou alguns palavrões na sua cabeça e pegou um molho de chaves que faria qualquer um ter uma crise de ansiedade, de tão grande. Ele não. Já era zelador há uns 10 bons anos, tinha gente que nem sabia que era tanto tempo, tinha gente que nem sabia. Agarrou um pedaço de pão e subiu as escadas que davam a vista de um pátio vazio, de uma rua vazia. Era domingo de manhã.
Enfiou a chave no buraco da porta do templo maior. Não era aquela. Enfiou a outra e aí acertou.
Quando as duas portas se abriram, a luz que entrava pelo lado de fora invadiu o templo e transformou Zé numa sombra. Mas se ele agora não era visto, podia ver o que tinha lá dentro. Era gigantesco. Quem tinha posto aquilo lá? Uma escultura gigante, ia do tapete vermelho até perto do teto.
Ligou pro pastor.
- Pastor, acho que alguém sacaneou nossa igreja.
- Olha a língua, irmão.
- Não tem outra palavra não, seu Pastor. Sacanearam. Uma tragédia, uma coisa muito séria mesmo.
- Irmão, olha a sua boca. Vigia ela. Enquanto você não falar direito, não vou te ouvir.
- Tem uma pir...
- A BOCA!
- Tem um pênis gigante no meio da igreja, Pastor.

A dita cuja era de plástico, gigante, e ninguém fazia ideia de onde vinha, quem tinha posto ali. As senhoras ficaram escandalizadas e logo colocaram a culpa em alguém da juventude. A juventude achou engraçado. Tirando alguns que, na noite anterior, tinham tido sonhos eróticos.
Os senhores logo foram investigar. Olharam as gravações das câmeras de segurança, minuto por minuto da noite anterior. Não havia sinal de movimento ali. A igreja não tinha sido nem observada de longe, por alguém do outro lado da rua. Conclusão: obra do Capiroto.
Um grupo se uniu no templo para orar, pedindo que aquilo sumisse. Tinha sido posto ali para causar confusão. Fechavam o olho e oravam, oravam... quando abriam os olhos cheios de fé que ia sumir... estava ela lá de novo.

Uma irmã virou pra outra e disse:
- Tinha que ser no Brasil. Esse povo é muito preocupado com a aparência, muito preocupado com o outro. Esses marginais que puseram isso aqui se incomodam conosco.
- É mesmo. Li ontem na revista que o Brasil é o país com o maior índice de promiscuidade no mundo.

O Pastor tentou acalmar todo mundo e levou todo mundo pra fora.
- Isso é claramente obra do maligno irmãos, uma coisa dessas só pode ser para causar confusão!
- (O SENHOR PASTOR TEM UM DESSE NO MEIO DAS PERNAS!)
A igreja toda tomou um susto. Ninguém sabia que o pastor tinha pênis. Pênis... Pênis... O Pastor? A juventude riu.
- Quem foi que falou isso? Quem é o irmão que se levanta contra mim? Quem é que atenta contra o escolhido de Deus?
O silêncio imperou no pátio da igreja.

No domingo seguinte o Pastor resolveu tomar medidas drásticas. Como o obelisco ainda não tinha sumido, eles iam encarar o diabo de frente e fazer o culto diante daquilo ali. E o tema ia ser sexualidade. Separou os jovens porque eles iriam ter uma lição especial com o líder da juventude. Nesse dia a igreja estava cheia.

- Irmãos, isso é um sinal da promiscuidade que domina o mundo!! Nós não podemos nos misturar com essas pessoas promíscuas! Mas temos que amá-las.
A igreja não entendeu bem mas deixou o pastor falar. Só ele tinha microfone. O pênis observava tudo, imóvel.
Na reunião da juventude, o líder explicou que, caso o pessoal não casasse virgem, Deus não ia abençoar o namoro. Alguns ficaram assustados, mas guardaram pra si. O culto acabou, as pessoas voltaram para as suas casas.
Durante a semana o telefone do pastor não parava de tocar.
- Pastor, tem um p...p...pênis na minha sala.
- Pastor, tem um pênis no meu banheiro.
- Pastor, no meu quarto.
- No meu escritório do trabalho, Pastor.
- No banco do meu carro. Quase sentei nele.
- No livro que estou lendo, Pastor.
- NA MINHA CUECA PASTOR!!

No fim das contas as pessoas só se assustavam com os pênis que apareciam. Alguns até falavam de chuva de pênis, "vi essa semana um filme que chovia sapo, agora chove pênis."
E Zé deitava na sua cama todos os dias, fazia amor com sua mulher, as vezes não fazia, as vezes ela tinha dor de cabeça e tudo o mais.
E dormia.

quinta-feira, 12 de junho de 2014

Guardava comigo aos 65, como segredo de pecado, os meus escritos. Eram pequenos contos, que havia elaborado durante todo aquele ano, o primeiro de minha aposentadoria. O que predomina, no peito, é a vontade de ser criança. É sempre invertida, a vontade. Quando sou velho quero ser criança, quando sou criança quero ser adulto, quando sou adulto quero logo ser velho. A vontade não nos permite relaxar nem no leito de morte. É o querer-quebrar, o ir além, andar, retroceder, evoluir, amar... a vontade.

Dentro de um baú azul e pequeno guardei grandes histórias e poemas. Haviam mais de 140 deles. Enredos mirabolantes, fantásticos, histórias de morte, de vida, de fim e de início.

Como pude me esquecer das pessoas que amo? Como sou tão egoísta?
Sempre me faço as mesmas perguntas.
Sempre.

e não há poema, conto, arma que resolva. Isso me dilui. A vida me dilui em matéria-adubo.

Morri hoje.

O Argumentador

Ele era até civilizado pra um homem que carregava uma pistola. A terra girava devagar naquele dia. As matizes de terra vermelha e o azul do horizonte eram uma projeção daquela cidade. No sobrado em que os homens iam para exercer seus convívios e abusos, ele ia encontrar uma moça em especial. Ouvindo só o burburinho lá de baixo, talvez um pouco do cheiro de bebida, talvez um ar espesso de cigarro, ele se encontrava recolhido, sentado à cama ao lado de Darla. Suas feições eram angulares, a sua barba longa e o cabelo caia um pouco na cara, escondendo uma cicatriz de bala na testa, que levara de raspão em uma dessas aventuras. Na cintura carregava uma pistola prateada, com detalhes dourados no bastão, e ao longo do cano. Do outro lado em um cantil trazia aguardente, no corpo um cinto de balas, uma espingarda que carregava nas costas mas que, no fim das contas, usou pouco ao longo da vida.
Gostava mesmo era de discutir, e por ali era conhecido como "O Argumentador". Rezava a lenda que ele já tinha convencido um maquinista a entregar um trem cheio de ouro voluntariamente. Falava como quem sabia o que queria, e dizia o que pensava do mundo, do sistema, de como era deturpado aquele lugar. Era ladrão por ideologia. Caminhava sozinho porque ninguém aguentava-se de orgulho perto dele.
- Me abrace, querida Darla.
Era a única que gostava dele. Mas Darla não contava, afinal, não amava a si, fazia isso muito porcamente. Ele a convencera de que era uma sorte de messias do amor, e ela nunca cobrou seus serviços quando ele passava por lá. Os momentos eram sempre loucos para ela. Para ele, um pouco de vida a mais, um pouco de vida a menos.
- Me conte uma história antes de deitarmos de vez...

E ele pouco sabia sobre histórias. Se lembrou de um homem com quem discutiu e que deixou tão sem argumentos que o homem sacou a pistola, e ele teve que torná-lo um homem outra vez. Um dos poucos abates que sua pistola fizera ao longo dos anos...
Foi dormir pensando em quão felizes eram os homens das armas e seus bandos.

quarta-feira, 23 de abril de 2014

quando o mundo se abre em flor

guardo tanta coisa no meu peito
no meu corpo
que ou amo
ou morro

e conheço tanto pouco jeito
só meu corpo
que se amo
corro

risco de morrer