Minha foto
Nem sempre sou quem escrevo, mas sempre sou quem escreve.

quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

Devagar

Um farol ilumina
Mil faróis deixam cego
O cerol corta a pipa
E a mão do menino

Ver demais é foguete
Certo que alucina
Se eu correr é cansaço
Se eu parar é preguiça

Se for pra lutar
Que seja em outro lugar
Se for pra bater, que seja devagar.

segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Nada

e, como se a beleza estivesse no nada,
.
.
esvaziar-se é a mais difícil tarefa
.
.
.
.
é o silêncio quem delimita.

sábado, 17 de dezembro de 2011

Cada olhar é uma profecia

- Quem é essa moça bonita aqui?
- Essa foto foi por causa do dia que a gente foi na casa da Bia!
A menina projetou-se na foto que sua mãe lhe mostrava. Na foto, apenas 4. Agora, 5 anos de idade, havia perguntado a sua mãe no dia do seu aniversário se seria aquele o dia que ia ficar maior de altura. Os dentes separados, uma camisetinha rosa que deixava os braços rechonchudos a mostra, uma trança e a cara gordinha faziam do sorriso dessa pequenina uma preciosidade. Estava eu no ônibus a observar tal cena. A mãe, a irmã, e Talita, a menina, sentada no colo de uma das duas, não me lembro ao certo quem.
- Ela vai ficar linda, Carol - disse a mãe para a irmã - o único problema de Talita é a sombrancelha um pouco grossa aqui em baixo - passou a mão e a menina acompanhou com os olhos.
- Pois é, mãe.
Talita olhou para o nada com um sorriso bobo. Projetou todo um futuro agradável, onde o seu único problema seria fazer as sombrancelhas uma vez ao mês. Viraria uma prostituta dali uns 15 anos.

A projeção em uma fotografia de futuro.

Acorde elivelton são cinco da manhã e você tem que fazer café e ir pra obra que você tá fazendo e já está terminando vá para o ponto pegar o cinquentetrês e parta já pro teu trabalho corre logo bota a camisa o boné o chinelo de dedo faz essa barba não deixa o bigode faz você parecer ainda mais pobretão e a gente não quer passar essa imagem pros seus patrões quem sabe um dia a gente possa ser rico elivelton e comprar aquela tevê de prasma que eu sempre sonhei esse é o nosso projeto.

Elivelton subiu no ônibus que eu estava. Sentou no banco oposto ao de Talita.
- Quem é essa moça bonita aqui?
Elivelton olhou profundamente aquela meia-família e riu discretamente da mocinha. Obviamente olhou pras pernas de Carol, a irmã, que usava um short muito pequeno. Mas o que queria mesmo era olhar Talita.
E se ao invés da tevê de plasma, Elivelton quisesse um filho? Calou-se o dia inteiro, na construção, na mesa de jantar, assistindo o jornal. De noite pôs em prática o seu plano de futuro.

Dali um mês viria a descoberta. Dali a nove, nasceria Jorge Adalto. Jorge pois era nome do jogador favorito de Elivelton, e Adalto era o nome do avô de sua mulher. Jorge Adalto. Jor-ge-a-dal-to. Soava como música aos seus ouvidos.

E é curioso como os olhares se ajudam. Não fosse o olhar pelo buraco da câmera, ou a foto sendo mostrada aos olhos de Talita, Elivelton não olharia pra lá, não teria um filho, não morreria tão cedo. Talita e os olhares previam o fim do pedreiro.

- Aí, Jorginho, olha essa foto aqui! Quem é esse rapaz bonito?

Jorginho projetou-se, olhou. Talvez tenha acertado.

- Aí, Jorjão, olha essa foto aqui, é esse cara que a gente tem que matar. Ferrou com a boca, denunciou pra polícia. E aí? A gente pega ele no final do culto da Assembléia de Deus, dá um teco nele, e vaza. O chefe falou que se ele não rodar, quem roda é nós.
Jorjão matou seu pai. Matou por medo de morrer.

Dali a dois anos, Jorjão seria Pastor Jorge Adalto, da Assembléia de Deus. Segundo os comungantes, todos humildes, ex-traficante e ex-drogado, agora profeta.
- Deus olha pra vocês, irmãos. Profetizem.

quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

um passo difícil

minha casa é o berço do mundo
meu olhar é pedreiro
o sol é o embalo do dia
a anestesia é o fim do pensar.

A cabeça é o invólucro do universo
o som é o ar
a fome é o que faz a comida
o amor é o espaço que há.

terça-feira, 6 de dezembro de 2011

O estudo da essência

Antes de tudo é preciso ser.
E aí, sendo, criando ciso, ser algo.
Porque o predicado vem depois do sujeito,
mesmo que o vejamos antes, mesmo que
implícito ele seja.
O predicado não é sem o sujeito, onde já se viu?
O sujeito é como o verbo, "como o verbo" é predicado do sujeito,
e dentro daquela lógica de ser o que se faz, o sujeito em si, é, e ser é o que faz dele sujeito.
Sujeito aos predicados de ser, porque antes de tudo é preciso ser.
E o predicado diz justamente respeito ao nosso ser. A quem somos, ou ao que fazemos.
E a essência toma forma no choque e na síntese do proposto:
Sujeito e predicado num encontro
formam a essência.
Ô coisa difícil de descobrir.

domingo, 20 de novembro de 2011

Perdão, Parede

-Perdoe-me
é o que a parede me diz
e eu que pensei que ela só tinha ouvidos
agora tem boca, e pelas palavras, coração.

Um sorriso de canto responde
e reforça a estrutura da casa, que, obviamente
ainda seria sem a dita parede
mas ela está ali.

E foi o que eu pensei, assim:
as vezes Deus nos deixa viver
por redenção.

E a vida, quando não há mais sentido em mim
pros outros torna-se uma grande lição.

Portanto, quando eu me tornar parede,
inútil, imóvel e sem reação
quando eu padecer, idoso numa cama
que eu sirva pra pedir perdão.

sábado, 12 de novembro de 2011

Fluminense

Tudo o que a torcida venera
é o tanto guardado no peito.
Tudo o que se espera (desse jogo)
é que se jogue direito:
Meu deus! - diz o narrador
É mais um gol de bicicleta!
Fred dá cambalhota, dança, comemora
- e eu cá, do outro lado do televisor -
levando avante o tricolor.

domingo, 6 de novembro de 2011

Felipe

- É, Jorge. E como eu faço pra ir daqui ao centro?
- Pega o 45 sentido rua da Câmara.
- Desce no ponto da lanchonete?
- É, Felipe.

Naquele dia Felipe desceu no ponto errado, e não tinha o dinheiro pra voltar. A pé, solução escolhida, pensou na vida e no espaço.

Escreveu uma poesia no chão.

sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Poema do chão

(Escrevi esse poema com giz, no chão de algum lugar)

Os passos que passam
Levam as flores
E do chão só restou o poema

E com os passar dos passos
As cores irão
Do poema, só restará o chão

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Culpem Leon

- Na verdade eu quis escrever mais uma das minhas histórias - disse Leon enquanto procurava uma posição confortável para sentar - mas me senti um pouco culpado.
- Que é disso, camarada? Leon, um dos maiores escritores que já conheci, o melhor da minha rua, de longe, dizendo que se sente culpado por escrever? - seu amigo Carlos replicou, e deu um gole na cerveja - Isso aí é viadagem, meu rapaz. Faça logo essa história que te atinge aí, e emociona todo mundo.

A verdade é que Leon era culpado, de fato. Seus livros publicados - todos romances de amor - emocionavam o público intensamente.

- E a verdade é que quis escrever uma história de amor com você, Geraldo! - gritou Luísa Cristina enquanto chorava, e as lágrimas escorriam no seu rosto - Ah, você acabou com a minha vida, destruiu tudo que eu tinha!
- Pelo amor de Deus, Luisa Cristina! Me perdoe, você é minha vida. Se você se for, não poderei viver! - ajoelhava-se Geraldo - Juro que me mato, me mato sim!
- Então se mate, Geraldo! Você é um desgraçado! Na hora de olhar para aquela mulher você não pensou que eu era sua vida, não é? Morra!

O romance entre Geraldo e Luisa Cristina, que termina com a reconciliação, uma redenção quase Cristã, vendera aos montes. E Leon quis, mas não quis, escrever mais uma de suas histórias. Passaram por sua cabeça nomes, situações, traições, brigas e estardalhaços. Seus romances eram jornal de cinquenta centavos.

- A verdade, Leon, é que eu cansei dessa vida do seu lado. - Alice arrumava as malas e marejava os olhos - você cheira pó o dia inteiro, na frente desse computador. Quando não está alto, está bêbado com Carlos. A culpa é toda sua.
- Então vai. - Leon via tudo embaraçado.
- Eu até te amei, do jeito certo. Mas infelizmente não posso mais - Alice arrastou a mala até a porta - Vou seguir minha vida, e você siga a sua.

Alice arranjou um outro rapaz. Não é do tipo que todas as mulheres gostam, mas ele a tratou muito bem. Daí nasceu Roberto.

- Roberto! Eu não aguento mais suas traições! - Gritava e esbravejava Paula - Você vai pra rua hoje, vá morar com seus pais, o que você quiser! E tome, leve esses livros daquele ex-marido de sua mãe, só me fazem sofrer mais! Você acabou com a minha vida!
- Não, meu bem - NÃO ME CHAME DE MEU BEM! - não se vá, Paula, eu te amo muito, demais. Eu só terei olhos pra você, daqui pra frente! Nunca mais vou te trair. Se você for embora, a minha vida é que acaba. Juro que me mato, Juro!

                                        Jornal do Cidadão
                     por cinquenta centavos, muita informação!

      APAIXONADO SE JOGA DO DÉCIMO SÉTIMO ANDAR DO PRÉDIO!

Nessa quinta-feira, dia 27 de setembro, suicidou-se Roberto Almeida, que se jogou do décimo sétimo andar do Edifício Moura, na rua da Câmara, Centro. Por pouco, o corpo não atingiu uma velhinha que passava na hora do suicídio. A surpresa causou espanto dos transeuntes, assustou um motorista que causou um engavetamento na altura do edifício. Os parentes afirmam que Roberto apresentava sinais de profunda depressão devido a um recente divórcio. A perícia encontrou no seu sangue vestígios de cocaína, que indica que o sujeito estava drogado enquanto se lançou do último andar do Moura. Paula, a ex-mulher, não quis falar ao Jornal do Cidadão.

domingo, 2 de outubro de 2011

Jorge e as canções-encontros

Cada timbre é um encontro, Jorge. Cada canção. E não é pra você se deixar levar tanto assim, mas é pra não ter tanto o pé no cimento, coloque ele na terra, pelo amor de Deus pai. A caneca de café já esfriou, aliás, você bebeu ela pela metade, e a repousou na bancada da cozinha. Icaraí já não parece tão atraente assim. Mas finalmente, a ti parece que alguém te encontrou, e uma canção toca e reverbera no oco do seu apartamento à beira-mar. E chovem pensamentos, quanto será que foi o jogo do vasco, amanhã preciso entregar um trabalho, e a louça está toda pra lavar, veja só, essa música vai ficar repetindo na minha cabeça, acabou o açúcar, tome cuidado, rapaz, tome cuidado, Jorge. Tome cuidado com as canções que você anda ouvindo. Cada canção é um encontro. Te disse, ou você mesmo notou, quando o café ainda era quente, do que a felicidade fazia com o seu bairro, do que o mar fazia com os prédios. Agora, já enferrujado, vem me dizer dessas canções e encontros, que de fato são muito belos. Mas deixo pra você meu aviso, homem: Tudo o que você encontrar, durante toda a sua existência, necessariamente tem de te encontrar também. Caso contrário, não é en-contro, não é en-canto, não é canção. Olha pela tua janela, rapaz. O mar já enferrujou o teu toca-disco. Abre o ouvido e pálido perceba: a canção não toca, você só está com ela na cabeça, você nunca presenciou nada. E por mais triste que isso seja, Jorge, não há timbre. E cada timbre é um encontro.

Na vida, uma certeza se tem:
Tudo que a gente encontra,
encontra a gente também.

sábado, 1 de outubro de 2011

Triste realidade

Era uma vez uma pessoa
que só sabia falar mentira
adivinhem só:
Ela não existia.
Quer dizer, ela até existia,
mas nunca existiu de verdade.

domingo, 18 de setembro de 2011

#6

Um homem satisfeito
é um homem morto

Se um dia peço algo a Deus
é na certeza de ter algo a pedir depois
pois me desespero se tudo tiver

tudo
acaba sendo
nada

terça-feira, 13 de setembro de 2011

Ela chorou

A trocadora do ônibus
não aguentava mais
trocar

sábado, 10 de setembro de 2011

meus olhos

Se a vida fosse filme
miopia era só
estilo

quarta-feira, 7 de setembro de 2011

Vera Fulô

Vera queria era ser livre de verdade
e então se soltou
feito pétala de dente-de-leão
voou.

Não encostava em nada
não havia preocupação
mas perdeu-se o sentido
não havia mais tato
olfato, paladar,
visão, audição.
Porque tudo o que vinha de fora a prendia
a movia em uma direção.

Perdeu-se o vento, perdeu-se o sol
Perderam-se isca e anzol
Perdeu-se o azul, o preto e o lilás
Vera era livre, agora, mais.

E um tanto de tempo depois
Vera, que já havia se esquecido de viver
se afogou em páginas sartreanas
e a mágica virou náusea.

Deitou-se à relva
e antes de partir, pensou em seus botões:
"Liberdade é mais do que se soltar
muito pelo contrario, liberdade é se atar
ao mundo,
a algo,
a quem eu quiser amar.

E o que resta da minha liberdade agora
é uma profunda solidão
e a consciência de não existir
pois não há quem me cheire
não há quem me assopre
não há"

E morreu, sem ninguém perceber.

domingo, 4 de setembro de 2011

Retiro quem disse

Diz-se ser o humano estandarte
de quando com muita sorte
canta-se algo bonito: a arte
crava suas facas no ponto de corte.

E aí, ser humano não mais é:
deu lugar ao que já vinha ardente
lá do fundo plano da fé,
Que aparece e some-segue em frente.

Ser uma no peito,
palavra que desatine,
retine no oco perfeito.

E somos desse jeito:
instrumento de expressão
de muito maior sujeito.

(E esse poema segue...)

domingo, 28 de agosto de 2011

Pés sujos

Sou o guerreiro dos pés sujos
o soldado e raso e descalço
amor é o que levo no peito
nada mais além do passo

E as lágrimas se contém
mas é como se já tivessem esgotado
de tanto choro no mundo
de tanto sangue escorrido
do contato do pé maculado

O meu caminho já é fim
o meu sorriso é pra mim
mas o amor é agir

E se um dia eu cair no esquecimento
nem a metafísica segurará as minhas pontas
outro terminará com os pés desnudos
infindo como eu

quinta-feira, 25 de agosto de 2011

Carta a Gustavo

Caro Gustavo,
Escrevo-te pois ouvi do que você passa. Não ouvi de você, por isso não sei com exatidão o que você tem ou o que deixa de ter, mas me arrisco a redigir essa carta pelo imenso carinho que já recebi e ainda recebo, e pelo apoio que me disponho a dar.

Passo hoje momentos alegres. Tudo vai bem, agora, ao contrário do que acontecia quando nos víamos com mais frequência. E como já disse, procuro aproveitar a alegria para ajudar a quem não anda alegre, porque sei que preciso de ajuda quando eu estou fraco.

O que tenho para dizer é: Apesar das circunstâncias, ame. Lembre-se de que existem pessoas que querem cuidar de você. Não ignore esses conselhos. Considere-os, analise-os e conforme o teu interesse (ou o de Deus, se você ainda acredita nele), aplique-os na sua vida.

E lembre-se do que te falei sobre a felicidade. Que está no frutificar, no fortalecer ao outro. Está no amar. A alegria não vai te acompanhar pela vida toda, já que, ao contrário da felicidade, ela está atrelada ao sucesso, ao ter. Mas a felicidade com certeza te garantirá a paz necessária para não perder o eixo num momento crítico.

Do seu irmão, que se oferece para te ouvir, e que vive uma vida feliz, mas nem sempre alegre,
Felipe.

domingo, 21 de agosto de 2011

Aqui

Dispara-te a ver:
o que se vê aqui é parte.
O que se percebe, metade.
E há os que até não vêem,
não crêem,
mas o que aqui (alguns) vêem, existe,
e aqui se vê em parte.
Onde será, por fim, que encontro
o inteiro, a verdade?

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

B512 (E como um avião quebrado foi bom)

Eu me lembro desse tempo
que o horizonte era infinito.
Agora, o universo se desatinou
diante dos meus olhos.

Um planeta bem lilás
me mostra com sua luz
que é lindo se viver.

Um planeta bem pequeno
onde o por do sol
é só o amanhecer.

E se for o futuro esperar,
é certeza de morrer no amanhã,
rápido como um cometa.

Mas, se viver o meu amor,
nunca vou perecer,
mesmo que me esqueçam
fico cá, feito pensamento sem espírito,
fico certo como estrela.

quinta-feira, 18 de agosto de 2011

#6

tex
text
texto
textu
textur
textura

Rádio

As vezes Deus me presenteia
Com uma canção no rádio
que não era a que eu esperava.

Mas, as vezes, é justamente a que eu queria ouvir.

terça-feira, 9 de agosto de 2011

A caixa

- Não, não, eu olhei meio que de lado, assim ó.
- E eu olhei reto, retinho.
- O que se pode dizer, né? Cada um olha de um jeito, mas essa caixa é uma só. E o que será que tem dentro?
- Vai ver não tem nada e puseram aqui só pra gente olhar essa caixa verde.
- Amarela
- Vermelha
- Ahn-ahn, isso é azul, senhores.
- Que azul o que, Almeida! Você sempre fala como se fosse o dono da verdade. Um dia ainda pega um pós-doutor em cores pra te mostrar que a caixa é verde.
- Amarela
- Vermelha
- E você adora me contestar, vai dizer que não? Se eu digo que é bom, você diz que é uma merda, e agora que disse "azul", disse você "verde", fosse eu que dissesse o verde, aposto que tua opinião era outra.
- Nem azul, nem verde. Isso é vermelho, sim senhores! E é vermelho dos fortes. Não vê que despertou as nossas ânsias e paixões? Só o vermelho faz isso. A caixa é vermelha. Pode até não ter a cor vermelha, em si - embora tenha, mas mesmo que não tivesse seria vermelha desde o início.
- Amarela
- Verde
- Azul porque é o que me desperta a certeza de que é azul. Não fosse azul, não teria tanta certeza. Mas azul é minha cor favorita, ô Silva. Eu sei quando as coisas são azuis. Vai ver é até vermelho por dentro, mas por fora, é zuzim.
- E o que será que tem dentro dessa caixa verde?
- Amarela
- Azul
- Veja bem, veja bem. Estamos aqui, um em cada lado dessa mesa. Mas eu estou sentado cá, olhando assim, meio de lado. E os lados que eu vejo - dois por sinal, são vermelhinhos que só coração e decoração do dia dos namorados, pois venha cá ver, Almeida!
- Eu não preciso de ir aí coisa nenhuma rapaz! Pois eu olho aqui, sem confusão, sem essa dúvida tua aí, de olhar de lado, onde já se viu. Olho retinho aqui e a caixa é azul.
- Verde!
- Amarela
- Amarela é que não é. Mas, ué? Só tem três aqui, Eu, tu e o Fonseca. Cadê o homem do amarelo?
- Tô cá em cima, rapazeada.
- Ih, rapaz! Tem um cara no teto. Feito Homem-Aranha.
- A parada é amarela, sim. E dizem que de cima é que se vê as coisas direito, né? Então pode crer.
- Amarelo?
- Verde! Verde!
- E o que será que tem dentro da caixa, hein, Homem-Aranha?
- Sei lá, jovem. Tem um buraco aqui, no meio do amarelo, mas não dá pra ver, tô sem meus óculos.
- Tu sofre de quê, hein?
- Miopia, velho.
- Quantos graus?
- Uns 2 em cada olho, sabe?
- Pois é o mesmo grau que o Fonseca. Empresta teu óculos aí pro Homem-Aranha, Fonseca!
- Agora. Ih, rapaz! Olhando aqui de cima, não é que é amarela mesmo?
- Vermelha...
- Azul!
- Sobe aqui, sobe aqui, Almeida! Dá uma olhada só! É amarelo com um buraco no meio.
- Duvido... é azul.
- Vá lá então, Almeida.
- ...
- Maria mãe de Deus, a caixa é amarela, Silva!
- Vermelha!
- Então eu te desafio a vir aqui ver.
- ...
- É, é amarela mesmo, né?
- É
- É
- Morou?
- É.
- É...
- E o que será que tem dentro?

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Cel. Moreira Cesar

Há muitas cores aqui
e muitos sorrisos
um barulho metálico
os (L)ouros da vitória

um bobo na esquina
sua,
pinga um tom de cinza

e há muitas outras cores que permanecem

terça-feira, 2 de agosto de 2011

Pétreo

Os olhos são cegos, Jane. E eu penso que, se cada palavra que te digo aqui é imagem pura e simples, que você enxerga através do conjunto de frequências audíveis ou de letras, sílabas unidas, é aí que está puramente a sua visão e a concretude das coisas. Mas ao mesmo tempo é limitar tudo aos seus respectivos nomes. Sendo assim, os nomes são crimes capitais, limitações ridículas. É como se o nome fosse o tijolo da casa, e o barro do tijolo, e a terra do barro... como se o nome fosse o próprio mundo. Ar, ar, ar, ar, som, som, som, som...
Mas o que é o que pra você, Jane? O que é um nome? Sentimentos são tão particulares quanto os significados. Quando lhe digo algo, que é algo pra mim, digo-lhe não o que quero dizer, mas o que de fato você pôde entender. Como quando você sente algo por alguém. Amor, ódio, compaixão, inércia...todas essas coisas não deveriam de ter nome, porque são infinitas. E daí você encontra uma palavra que te abre o mundo, que te revira os olhos e faz você fechá-los e pensar em tudo o que ela pode te ocasionar. Uma infinitude. Uma abstração sem final! Uma coisa que não tem nome. Uma palavra que não tem nome.

- Olá, meu nome é Jane. E esse é meu cão-guia, Mercedes, é uma cadela. Confuso, não é? É cadela, mas chamam de cão-guia. Parece que é macho.
- Ah, português é uma doideira só, Ja... Jane, né?
- Isso. E você é...
- Maria, Maria. Atendo pelo nome de Cota, também, é apelido.
- Tudo certinho, Cota. É o seguinte: Como você pode perceber, eu não enxergo, sou cega de berço. Preciso de ajuda aqui em casa com cozinha, roupa e faxina, além de ter que confiar em você, porque hoje em dia é um tal de empregada querendo roubar patrão... se até quando enxerga, rouba, imagine só eu, que sou ceguinha, ceguinha? Passo aperto.
- Nada, nada, dona Jane. Sou da igreja universal.
- Jane, apenas. Não sou sua dona!
- É só jeito de dizer, dona... quer dizer, Jane.

Mercedes olhava tudo, impassível. Parecia até que entendia tudo. E não é que entende? Quem nunca disse ao seu cachorro: "Deita, late, finge de morto..."? E, por incrível que pareça, ele entende, e obedece, por associar um movimento a ordem. E se ensinássemos o cão a deitar, sob o comando "late"? Ele obedeceria errado? E se dissessemos ao cego que o azul é verde, e o verde é o azul... se provássemos que a nota de cinco era de dez, e a de cem era de dois... Os cegos são fracos porque não podem ver.

ou não.

Ou são mais fortes que todos nós, mais aptos a entender toda essa abstração que gira em torno da palavra. O que é o formato da letra, o que é uma cor e uma fonte? Amor é preto, ódio é preto... o Azul, o Verde, até Mercedes, a cadela, o cão-guia, é preto. Preto que é preto também, e é uma das poucas descobertas na vida de um cego, mas a melhor e mais deliciosa de todas elas: Descobrir que a palavra é um buraco negro, profundo, mas assim dito, preto.

quarta-feira, 27 de julho de 2011

(...)

Abaixar a cabeça
pode ser pedância.
Não olhar nos olhos,
pode não ser solidão.

E assim, é preciso mergulhar
nos infinitos poços da significação.
Mas reconhecer, antes de tudo:
Não há plenitude aqui.

terça-feira, 19 de julho de 2011

Acampamento

e as crianças,
instigadas por um desafio
travam-se todas:
pa-bi-baqui-gafro

domingo, 10 de julho de 2011

A cruz e o caminho

Entre a espada e a cruz há caminho,
Entre a mente e o céu tem espinho,
Entre o peito e o povo há carinho,
Entre a ponta e o bastão há uma lança,
que perfura um abdômen, sozinho.

Mas o estandarte maior dessa vida
deveriam ser os pés, sujos.
Porque entre a espada e a cruz há caminho,
e no fim, encruzilhada.

O madeiro pode ser felicidade,
porém, não pode ser motivo maior:
na cruz morreram todos os subversivos,
mas nenhum caminhou como Cristo.

sexta-feira, 8 de julho de 2011

Para Cicinho

Um dia me contaram
Sobre coisas que não tem nome
E que apenas são sentidas
no ar
Assim, encontrei um misto dessas coisas
dentro de mim.

Diziam respeito às paixões,
diziam respeito aos medos
mas
- o que realmente vem ao caso -
também diziam respeito aos irmãos.

Esse amor todo é indice
e aponta para o futuro
da descoberta gradual de um sentimento
que vai perdurar

Um daqueles milhões que não tem nome
Mas que se sente mutuamente
No abraço de irmão
No carinho e proteção
Do braço forte meu
e teu.

quarta-feira, 6 de julho de 2011

Meu aniversário (2)

O desenrolar
da
lingua de sogra
sobre
o rosto feliz
sobra
cobra
de felicidade, chora.
O choro, a vela,
o bolo.
Dedo
fura bolo
o pequenininho tira o glacê.
pra agradecer
ao pai
do céu (e também o da terra)
o bom gosto de fazer aniversário
no mesmo dia de Ringo Starr.
Estar,
assim, feliz, sem mais
não é dom do cumpre anos:
é dom dos moços, das moças
que quero ter perto por aqui
um doce,
docinho
pra sobrar, soprar
a vela
e soprar e ver
O desenrolar
da
língua de sogra.

E quando tudo acabar,
amanhã
na manhã
tem cachorro-quente,
gente,
frio no café
e bolo sobre a mesa,
no almoço,
moça,
sobremesa.

segunda-feira, 4 de julho de 2011

Força, rapaz

Força, rapaz...
ainda há amanhã
ainda há muito a viver
ainda há solidão

Força, rapaz.
e tenha peito de aço
e tenha faísca no braço
e tenha chama no coração

Força, rapaz!
não perca o que te faz ser
não perca o que te faz perder
não perca o que te faz são

Força, rapaz,
pois abraço é nó de carinho
pois palha é nó de ninho
pois mente é nó de emoção

quinta-feira, 30 de junho de 2011

O abatjour

O chão era de taco. Da posição percebida, as madeiras estavam dispostas na horizontal, cada um no seu tom de marrom único, brilhando por causa do verniz. Na fresta pequena que havia entre as ripas, poeirinhas e sujeira, imperceptível a olho nu de homem, mas a imundícia maior, para uma mulher. A madeira corria até o rodapé, e do rodapé se erguiam quatro paredes brancas. O cômodo era de sete por cinco. Na parede norte, estava encostado um vaso grande de planta, bem cuidada, com folhas grandes e, para combinar com o chão, envernizadas, da forma dos vegetais. Era uma vida pulsante que estava disposta embaixo de um quadro com a fotografia preta e branca de Gary Rossington, que empunhava uma guitarra Les Paul e usava uma camisa xadrez, possivelmente vermelha no original. A sua cara parecia gorda e as costeletas até o meio das bochechas ajudava nessa idéia. Ele não parecia estar no palco: Parecia estar num descampado grande, numa liberdade só, porque os cabelos dele - longos - esvoaçavam com o vento. A nota na guitarra era um arpejo de lá maior, que provavelmente distorcido, soava divino. A sua boca entreaberta deixava isso bastante claro. A parede sul ostentava a porta enquadrada no lado direito. No lado esquerdo, estava encostada a cômoda, branca, com duas prateleiras e três gavetas. Nas prateleiras, grandes volumes figuravam e mostravam coerência nas leituras, porém uma curiosidade infinita de descobertas. Havia Sartre, Camus, Garcia Marquez, Rilke, Herman Hesse. Havia Graciliano, Machado de Assis, José de Alencar...Nietzsche, Schopenhauer, Platão, e muitos e muitos outros livros, a maioria velhos, com as páginas já amareladas. Nas gavetas, haviam folhas velhas, de um passado remoto. Haviam fotos, com sorrisos que não eram mais amigos, pastas que não eram mais úteis. Havia uma Bíblia grande, comentada, com uma dedicatória paterna. Em cima da cômoda, uma televisão e um vídeo-cassete, uma carteira de couro preto, já esgarçado, e um celular velho. Na parede oeste, centenas de vinis encostados, com cara de coleção. Tinham todos, mas todos de Chico Buarque. John Lennon, Milton Nascimento, Belchior e o favorito, de 67. Gil. Havia, num descanso, uma Telecaster, com as cordas enferrujadas, todas, mas sobretudo as mais agudas. No escudo da guitarra estava escrito "Amor". No lado leste era uma cama. E só. Um colchão já gasto, um lençol desbotado, e um desses travesseiros do tamanho de uma folha de papel. E no centro do quarto, um rapaz, olhando e vendo a sua cara, no chão de taco: As sombrancelhas bagunçadas, a barba mal feita, um nariz espalhafatoso. Os olhos haviam lágrimas, talvez. Talvez seria apenas o chão de taco, que lhe dava essa impressão. Ele era um abatjour.

quarta-feira, 29 de junho de 2011

17 horas

o silêncio traz à luz
tudo o que eu preciso responder
um sentir assim sem mais
não encontrei nome pra dizer

vim de longe pra te ver
e bem perto de você
deixo o vento me levar
dá vontade de ficar

segunda-feira, 27 de junho de 2011

O Sebo

E quando mais um livro acaba,
quando as páginas amareladas
já haviam sido lidas umas duas, três vezes,
é hora de voltar ao sebo.

As prateleiras empoeiradas
guardam muitos e muitos títulos.
Eu deslizo o indicador por eles,
procurando um que me agrade.

Mas todos sabemos, que na verdade,
não sou só eu que vou escolher a novela,
o livro também vai me escolher,
fazer de mim alguém maior.

E assim o encontro, e ele me escolhe:
A capa é bonita, com muitas páginas e um enredo bom.
É hora de ler, quem sabe me demorar, até morrer.

Porque o dinheiro é curto,
além do gosto grande,
pelo livro novo que encontrei no sebo.

sábado, 25 de junho de 2011

O Trem

entre as árvores
retornando à estação
quem controla é um menino
com um chapéu de caubói:
Deus.

sexta-feira, 24 de junho de 2011

Avenida

A todos os que passaram aqui,
quando o vermelho se fez,
a todos os amores-paixão,
a todos que gastaram a tinta do chão.

Aos namorados, dados às mãos,
aos idosos de bengala e lentos,
aos deprimidos que para mim olhavam,
aos engravatados, enternados, que correndo passavam.

Aos que zombavam do tempo,
e aos que corriam porque era curto,
aos que se esgueiravam quando virava avenida,
quando passavam muitos, muitos.

Hoje ainda recebo os vossos pés.
E é um prazer ser colorida e bonita,
levar o nome de Roberto Silveira.

A vós dedico esse poema,
que fizeram de mim quem hoje sou.
Se engarrafo, mil perdões:
É só a vontade imensa de sentir bater no asfalto
um milhão de corações.

quinta-feira, 23 de junho de 2011

Ai,ai

verbo se fez inverso.
maldita verborragia.
palavra de hemorragia.
vitupério e canto.

.inverso se fez verbo
.verborragia maldita
.hemorragia de palavra
.canto e vitupério

quinta-feira, 16 de junho de 2011

Ao que há de vir

Ao que há de vir,
meu singelo desprezo.
Pois não hei de carregar
o inexistente.

Porém, deixo ao presente,
meu enérgico apoio,
de que vire o porvir
bonito, como ele parece ser.

E se um dia os mundos se encontrarem,
e o que não existe vir à viver,
abro o meu eterno sorriso:
o que foi, é, e há de ser.

segunda-feira, 13 de junho de 2011

Sentindo

Ame tudo o que te faz ser.
O que te faz abrir os olhos pela manhã.
Pois se não houvesse,
não haveria força.

Mesmo só, aberto estou com os dias,
e aprendo ao perceber as coisas mais singelas.
Há beleza em cada canto, há lição de vida,
há poemas escritos.

E como se as palavras não fossem necessárias,
o poema se faz em forma de explosão:
Um olhar sereno e um peito aberto
com uma estranha sensação,
que pode ser dor,
ou somente alegria,
de olhos fechados,
a respiração profunda,
como o poço da alma.

quinta-feira, 9 de junho de 2011

Ser Grande.

Há quem diga que eu tenho ares de menino,
e que por isso seja imaturo,
e que isso de fato é ruim,
e que o bom mesmo é ser adulto,
fazer a barba todo dia e trabalhar,
com uma maletona embaixo do braço,
com um monte de papel inútil
e umas palavras que não querem dizer nada.

Dá pra saber mesmo assim, crescido,
que há muito adulto por aí
que sente como gente pequena,
e que quem sente como deve sentir
é o menor dos meninos.

Por isso, quando chegar tua depredação
não reclame de muita dor, muito trabalho.
Não reclame que há de comprar remédios para obter a paz.
Reclame de ter sido maduro.
Sobretudo, de ter sido.
Coloque um cachimbo na boca
e recupere o tempo perdido.

quarta-feira, 8 de junho de 2011

O Câncer II

Há uma flor. Uma flor amarela, com caule longo, e, pequenas folhas amarelas. Possui algumas corolas, de diferentes tamanhos, umas seis. É o que me importa ver, além do que há atrás dela, que por singeleza de Deus, nosso senhor, o supremo cineasta, perdeu o foco. Tudo quanto é flor por trás dela é segundo plano, é desimportante, é quase-erva-daninha.

Há uma operação médica. Um tórax aberto, pode-se ver as entranhas, o sangue, algumas veias importantes. Parte do que envolve o pulmão fica a mostra. O lençol da cama é de um verde muito claro e manso. Os médicos usam azul, todos com mascara. Sob a luz de um potente holofote, cintilam os bisturis e outros instrumentos metálicos. É a retirada de um câncer, que por singeleza de Deus, nosso senhor, o soberano médico, foi posto ali. Tudo quanto é coisa boa por trás dele é posto em primeiro plano.

Culinária (2)

Compre uma panela depressa
uma panela depressão
de pressão, sei eu bem
corre pra esquentar as coisas
fogo alto sempre
pra cozer depressa o coração

domingo, 5 de junho de 2011

Linguagem

se você é a tua essência
e eu, você para ti
somos um
ou você não te expressa

quarta-feira, 1 de junho de 2011

O Retrato

O retrato é palavra
E a palavra é retrato.

Absorto, me solto
a descrever em verso
o retrato
da cabeça.

A palavra é imagem
E a imagem é palavra.

Quanto vale uma imagem?
Mais do que mil palavras.
E uma palavra,
muito mais do que mil imagens.
Porque mil é demais
E quando há muito pra ver,
nada se enxerga.

A palavra é verso retrato
É prosa em foto,
represento assim:
Canto.

terça-feira, 31 de maio de 2011

Moça

Borboleta viva pousou
no meu cabelo e ficou
amarela
feito adorno.

E depois de um tempo, voou.
Na mente lembrança deixou
de verdade.
Que diacho de felicidade.

Duas pétalas de flor
presas por um fio,
acariciando o céu
de manteiga.

Nem deu tempo de dizer adeus.

quinta-feira, 26 de maio de 2011

A vida dos outros

Bonitão, um amigo meu me perguntou
Esse também é principalmente para
e você meu bem, como está?
Acabou de passar um carro em frente ao meu prédio
Avisa pra sua mãe que ela me salvou
a gente tem que marcar um dia pra ir na associação de moradores
Pra você, na hulmidade
Tô te esperando online!
Como foi na prova?
Tô com saudades e amo você.

Alô

Sim
Som

A paz

A paz está dentro de si
atrelada ao querer simplificar
e ao olhar pro céu e perceber
que não há mundo algum dentro do olhar
e um universo à frente de quem vê
que se reflete pra quem quer notar
É simples demais viver
quando a gente ouve o nosso eu falar
que ainda há muito mais coisa pra dizer
e ainda mais coisa pra escutar
que ainda há muito mais eu-e-você
do que solidão de dor no lar

terça-feira, 24 de maio de 2011

La Fleur

Capturou-o após uma corrida de algumas centenas de metros e era o momento de sua morte. Não importa agora, saber qual era o motivo real de um homem caçar o outro para assassiná-lo a sangue frio, basta saber que era cabível ao caçador o sentimento homicida. Não me entenda aqui por mal o leitor, não acho justificável a morte de ninguém, mediante a nenhum pecado, mas acho compreensível o desejo de matar. Todos nós guardamos conosco o desejo de dar cabo a uma vida, mesmo que essa seja a nossa própria. Foi, e eu pude constatar visualmente, um golpe de sorte. O caçador já cansado adiantou-se e conseguiu, com muito esforço, saltar e agarrar a caça pelo tronco, levando-a ao chão. No solo, a mão do perseguidor beijou algumas vezes a face da vítima. No primeiro soco, fez-se o rubor. Ao segundo, coube romper o supercílio. No terceiro, ouviu-se um estalo, deslocou-se o maxilar, sangrou-lhe a boca enquanto o supercílio tratava de lavar-lhe os olhos de vermelho. O quarto sangrou-lhe o nariz e provavelmente quebrou-o. Estava a sua cara já toda ensanguentada, e seu cabelo já manchado, quando já não tinha mais força para lutar. O caçador, com seus olhos avermelhados e cheios de ódio, sacou uma faca que carregava consigo: Rancou-lhe dedo a dedo, no seguinte protocolo: Furava a caça na parte entre a unha e a carne. Ouvia se um grito de horror. Cortava a fio a ponta, até chegar o osso. Quando o osso se mostrava, passava mais um pouco o fio e dava um puxão, que lhe destacava parte do dedo. Repetia a mesma coisa até chegar à palma da mão, e era quando ele passava para o próximo. Deixou o sujeito sem dedos, depois de uns vinte minutos. Furou-lhe os olhos e arrancou-os da face: Mais sangue na cara do rapaz. Foi quando o caçador enfiou terra goela abaixo da caça e retirou-se.

Voltou dali a vinte minutos com um machado e um martelo na mão. O leitor imagina que iria cortar-lhe a cabeça, mas o ódio era tanto que preferiu decepar as pernas. Primeiro a direita, depois a esquerda. Formou-se uma poça de sangue no chão. Os sapatos brancos do caçador já estavam vermelhos. As calças jeans da vítima, encharcadas. Sacou novamente a faca, e abriu o tórax de cima a baixo. Retirou o esterno a marteladas. Por fim, o coração. Ainda batendo, fraco, em suas últimas. Cortou o coração na ponta da faca. Abriu-o. Dentro dele, uma flor.

segunda-feira, 23 de maio de 2011

Quadro

Cor com cor
Complementar
Tom sobre tom
Combinar
Pode não ser igual
Mas vai ficar
Quando na mesma tela juntar
O azul claro do céu
Com o azul escuro do mar.

domingo, 22 de maio de 2011

Haikai do sol

E se o sol fosse sinônimo de tristeza,
Todas as manhãs seriam depressão.
Mas ele não é.

sexta-feira, 20 de maio de 2011

O gosto do jiló

Peço-te perdão porque de fato não me acostumei com tais histórias, moça. Me falta perceber que é digno sentir, dentro dessa lógica mentirosa. A verdade é que eu sempre soube, mas nunca quis acreditar. E nem quero. Poupo-me das explanações sobre a realidade e como ela não pode me atingir. E já que é pra confessar, e pedir perdão, peço desculpa também por ter tamanho defeito: o de sentir tudo exageradamente. Dói o peito exageradamente, e o sorriso me levita de alegria. Contento-me puramente de viver os dois extremos com qualidade. Abundantemente. É isso, é sentir tudo o que se deve, e sentir o gosto do jiló na boca, e mastigar, mastigar, mastigar e engolir no fim, e o sabor permanecer, durante um, dois, três minutos na minha boca, e permanecer na mente, durante um, dois, três anos da minha vida... enquanto como o doce: Esse sim desmancha na boca quando é realmente bom. E aí, reflete a efemeridade do que devem ser as alegrias em nossa vida. Será que é assim? Comigo não. Ainda sinto o paladar único de cada alegria que vivi. E as opções de bem-estar são como as cores, infindas, cromáticas, todas são! Enquanto a dor se manifesta em si. Com ocasiões diversas, mas é sempre dor. Deve ser esse o motivo de preferirmos os doces da vida.

E se não fosse assim? Se a felicidade fosse monotonia, e não a dor? Ah, talvez todos fôssemos virar um bando de masoquistas mesmo, e iríamos nos jogar aos leões dos sentimentos, e eles nos morderiam até dizer chega. A dor seria alegria, e a alegria dor. Não dá pra escapar do bem-estar, está sempre na quebra da regra, no fim da monotonia... E eu me satisfaço com isso, sabe? Não me dói viver provando dos flagelos e singelezas. Muito mais daquelas do que dessas. Mas justamente por que elas são dores, não é? E sempre se pode dizer algo bom, sempre se pode potencializar a nossa alegria com o fim do mal. É como se quando acabássemos de mastigar o jiló, tomássemos um belo de um copo d'água, e mastigássemos a mais doce das comidas. Abra a boca e sorria, simplesmente.

quinta-feira, 19 de maio de 2011

Resposta

Por mim, pode ser.

quarta-feira, 18 de maio de 2011

Risco de vida

A chuva. Chuva. Chhh. Diz respeito à sonoridade. Silêncio, diz ela. Silêncio. E a cidade obedece, passivamente, esquecendo-se da ganância que derrubou homens nas calçadas debaixo das marquizes. É incrível como a cidade silencia quando chove. E como ela se torna algo nostálgico. Gente corre, do mesmo jeito, carros passam, igualmente, e os prédios são titãs imóveis - como todos os dias. Mas mesmo assim, sobra a dor de quem se encharca. Ou apenas o silêncio. A quietude dá um ar de sobriedade, sensatez, arrisco a dizer sabedoria. E eu espero o ônibus, aqui, embaixo de um toldo. E é incrível como eu me sinto seguro, vai entender. É como se quando a dor me faltasse - a chuva - ela realmente me faltasse: como se me pertencesse, e fosse algo que eu reclamaria até o fim. E reclamo, pois se não, corro o risco de voltar a viver. Pra mim, só pra mim. Dos masoquismos, o amor é o mais singelo.

segunda-feira, 16 de maio de 2011

gratidão

Deus, obrigado pela chuva
E que ela desça forte
Que amanha não dê praia
Mas que dê felicidade
Mesmo assim

sexta-feira, 13 de maio de 2011

Tatipirun

Já que tudo é acaso
dentro do que já era esperado
vivo sem saber do amanhã e ando
até lá, já sei...
onde vai dar:
sei lá.

Sei que vou-me, sem mais
pra onde eu sou normal demais
vou-me embora pra lá, rapaz
onde os rios se fecham
e as serras se deitam
pra gente passar.

Chega mais e canta junto
a melodia que ninguém pode imaginar
e, por acaso, surgiu no vento
não existia, agora é
samba no pé.

Vista a camisa, sinta-se em casa
deixe a laranjeira te oferecer fruto
e em flor eu te transformo, já
é de ser
e sempre será

não volte, não
não volte pra lá.
a tua lição de casa pode esperar.

terça-feira, 10 de maio de 2011

Carta

Que dá vontade de matar, de morrer, irmão, dá. E escrevo-te - já dispensando os cabeçalhos, as localizações, as datas, porque essas coisas já não nos importam mais. Só para constar, encontro-me agora em algum lugar da América do Sul, talvez na Venezuela, talvez em outro lugar. Sinto saudades dos tempos que passávamos juntos e pensávamos sobre as questões essenciais da vida. Como a vida é complicada. Por demais descobri que as paixões são pequenas perto da vida e do mundo que é tão grande e cheio de pessoas. Em breve voltarei ao Brasil, para podermos conversar um pouco mais. E daí não sei pra onde vou, mas irei. Amor, irmão. Amor.

quinta-feira, 5 de maio de 2011

Nu

Sempre me intrigou estar nu.

nu, de descoberto.
nu, de significado.
nu, de descoberto,
ou simplesmente pelado.

Poema das duas (para minha mãe)

Queria mesmo era ter o poder
de arrancar do teu peito o mal
e colocar no lugar dos flagelos, presentes singelos.
No lugar das dores, flores.

Pois é você quem me viu crescer.
Ou, já me criou em ti, crescido,
e grande sucesso obteve em perceber,
que eu era tudo o que você esperava.
(tirando alguns probleminhas)

E hoje eu vivo assim, após me perceber.
Correndo pra me ver em você.
Amando pra querer tirar
do seu peito o mal.

Um sorriso de quem ama igual.
E continue a acreditar nos outros,
pois os corretos de vida
serão tudo o que você esperar.
(tirando alguns probleminhas)

E, da vida final, há de chegar...
Não se preocupe se é cedo:
É só amar.

terça-feira, 3 de maio de 2011

#5

na tv há um caso de amor.
ah, um caso de amor.
na tv há um suspiro de dor.
ah, um suspiro de dor.
Como se fosse tão fácil viver...
faça o viver...
Dá impressão de ser impossível viver...
e é possível viver.

Então, traga-me outra caneca de café
e deixe o dia acordar, amanhã, quem sabe?
Mas é só viver, sem ver,
te vê,
te ver.

sexta-feira, 29 de abril de 2011

Manu

Amo você agora, mais do que nunca amei.
Catavento aurora, me abraça e me roda,
furta-cor.
Apesar das lutas, felicidade.
Apesar do tempo, viver sem idade.
Distribuir amor.

Tire as lentes do medo, me faça o favor...
Veja as nossas auras se embolando em cor!
Acreditei em você e hoje sou mais feliz.

Nego velho, hoje achei em você o que eu quis esconder!
E depois que tudo passou, me encontro num forte de paz.
Não choro mais...
(Só de vez em quando.)

Vamos andar nas calçadas e pintar paredes com os pincéis das nossas almas.
Que belas cores, nossos quadros:
Saudade.

domingo, 24 de abril de 2011

Ah, vião!

Bom mesmo é ter os pés no chão,
sobretudo,
Embora as vezes seja bom estar
sobre tudo.
Ah, vião...
que medo que dá de voar,
mas é preciso.
Avião,
Belo Horizonte me espera,
e o Rio de volta,
na volta.

segunda-feira, 18 de abril de 2011

Pretensão

As vezes é preciso carregar as dores.
E ser feliz, sem medo.
E elas desaparecem.
ponto.

.E um dia talvez voltem
.Em forma de outro flagelo
.Ser feliz é preciso
.pronto

segunda-feira, 11 de abril de 2011

E aí, minha nega?

O telefone toca:
alô?
olá!
e ai, minha nega, como vai?
tudo bem, e voce?
bem, e aquilo lá?
e acolá?
e o rapaz?
e a menina?
e o amor?
a orientaçao?
e o beijo...
é, Deus!
e aí, minha nega, tá onde?
tô no orelhão, tem mais três unidades!
não tem choro que aguarde...
só me resta saudade! E mais uma unidade!
amo você e espero que estejatudobemcomsuafamília
e eu também esperoquevocêvivamaisempaz
umbeijonogabriel,noisrael,napaula
umbeijonomateus,nagabi,nacarolina
umbeijoemtodomundoaí
também
mesurpreendamaisemoutrodia
(...)

Toda parte

De tudo que eu tenho é fato
metade do que tenho é medo
a parte do que temo é frio
o resto do que peço é peito
o frio que me faz é falta
de alguém que me aqueça o peito
o peito que me faz é caixa
que bate só, sem sujeito
e tudo que eu tenho é fato
metade do que eu tenho feito
é parte de viver deixando
que as metades encontrem um jeito.

domingo, 10 de abril de 2011

Sobre as palavras e suas incoerências

As palavras sempre foram libertas da significação.
Sempre foram regidas pelo coração desejoso
de se expressar.
Os significados, dicionários,
se transformam e são regidos pela intenção ao falar.

Há quem esconda por trás de palavras
sua verdadeira expressão.
Há quem diga: amo
mas de fato odeia.
E há quem diga: odeio
mas de fato ama.
Se todos dissessem assim,
O ódio seria o mais doce dos sentimentos.

Eu odeio me esconder,
é confuso e desnecessário.
Se as palavras são vazias, no seu âmago,
falar não diz absolutamente nada.

terça-feira, 5 de abril de 2011

Quem é você, Sr. Almeida?

Tá aí, meu primeiro conto mais trabalhado, maiorzinho. Ficou grande pra postar no blog, mas eu espero que vocês tenham paciência para lê-lo. Aguardo as críticas.
Link

sábado, 2 de abril de 2011

Perfume

A casa tá cherano a perfume, mermão. Coquer dia desse vão descobrir que a gente não arrumamos nada mermo, e que a gente só espirra perfume pra cheirar bem. Tipo sorrir triste, entendeu? É espirrar perfume em casa. Então vamo fazer o que? Não arrumar? Não jogar perfume tamém? Arrumar tudo não dá? Não. Vamo deixar do jeito que tá então? Esse cheiro de perfume é uma merda, cara, parece que não sei. Não dá. Faz o seguinte então: varre esse chão aí, que tá de boa, bótum sorriso na cara e deixa esse dia passar.

quinta-feira, 31 de março de 2011

Um dia de amanhã

Um dia
só um dia
eu vou ter um desejo
e aí eu vou pedir
mais um dia
e mais um desejo
pra pedir mais um dia
e um desejo
e assim viver
desejando
almejando
esperando
alcançando
e morrendo
(com os dias)
até desejar
almejar
alcançar
o dia seguinte
que é o dia da morte
e ponto
sem desejo
sem dia
sem noite
só ponto
e morte
e fim.

É necessário
viver o amanhã
pois o amanhã existe
no hoje
no desejo
pois sem amanhã
não há hoje
não faz sentido
caminhar
desejar
almejar
esperar
alcançar
pois sem amanhã
o hoje
seria o ponto
e a morte
e o fim.
mas não é
tem depois
reticente eternidade...

domingo, 27 de março de 2011

Boa Noite

E se o caminho é desistir
na mais digna oportunidade,
ninguém dirá
que és covarde.
Anda, desista,
pois desistir é se encantar
por outro caminho e prosseguir
perder o canto e cantar:
"Não consegui."

Então boa noite, irmão.
Se a dor é inexorável,
mas você prefere caminhar,
mesmo que devagar,
não diga que eu não disse:
"Boa noite."

sexta-feira, 25 de março de 2011

Reencontro

E lá estavam os três, depois de tanto tempo. Cada um tinha ido pro seu canto, escolhido sua rota, seguido o caminho que levara até ali. Um reencontro tão casual, mas tão casual, que chegou a ser extraordinário. Fabrício e sua esposa, Alice e o noivo. Dante permanecia sozinho, muito por opção, muito por empecilhos da vida. Há muito não se viam: da última vez, estavam todos alegres e muito menos maduros, porém muito preocupados, e agora as preocupações não mais os aturdiam, com a pena de estarem menos alegres. A conversa foi regada a novidades e a suspiros, risos e lembranças. Todos estavam espreitando a felicidade alheia. Não era mais a mesma língua falada, não era mais o mesmo agora vivido. Mas o olhar era o mesmo, indescritível, que dizia que apesar do tempo, o amor ainda vivia, e que mesmo sem ter jeito na conversa, a felicidade emanava em energias, unia as cores e auras numa explosão de luz alva. O verde de Dante, que sempre esperava o amanhã. O azul sensato e calmo de Fabrício, e o vermelho-paixão, faminto de Alice. Eram um só. Que reencontro.

quarta-feira, 23 de março de 2011

Move vento

Quando há sincronia
Entre o flutuar das nuvens
E o balanço das palmeiras
E ameaça a chuva
Respingar na lagoa
Inclinada e serena
Transpassando os guarda-chuvas
Fazendo-nos correr
Contra ou a favor
E molharmos-nos todos
Contra ou a favor
É sinal de que o vento
Quer ver movimento:
Contra ou a favor.

sexta-feira, 18 de março de 2011

O porquê

Quando esperar é preciso, que não esperemos o cedo.
Quando o futuro é incerto, que não paremos com medo.
Quando a surpresa chegar, saberemos o incerto.
Quando o saber se fizer, valeu-se o medo.

Quem chegar primeiro, pode não ser vencedor.
Quem de fato o é, procura viver o amor.
Quem de fato ama, chega onde deve chegar.
Quem de fato chega, não se importa com o lugar.

Onde é o lugar, talvez ninguém saiba.
Onde vou chegar, é fruto dos passos e pés.
Onde vou andar, é chamado de caminhada.
Onde é a estrada, talvez seja o destino final.

Como vou estar daqui há cinco anos?
Como vou estar daqui há cinco minutos?
Como vou confiar no que se chama futuro?
Como vou mudar o que não vejo no escuro?

O porquê, sei lá.

quinta-feira, 17 de março de 2011

É Mentira!

Gritou a menina:
"É mentira!"
Pulo de lá e de cá,
Grito, quadrilha,
pra algo que não existia.

Olha o amor em dois dias!
"É mentira!"
Dessa vez ninguém pula,
ninguem dança, rodopia.
O dinheiro de volta
era o que todo mundo queria.

Olha a mentira!
"É mentira!"
E todo mundo virou cabide,
porque não sabia o que era verdade,
o que era vaidade.
Era dia.

E, quando baixou a noite,
num ultimo suspiro
grita a menina:
"Chegou a alegria!"
E a quadrilha já tinha acabado,
a fogueira já tinha apagado.
"é verdade."

segunda-feira, 14 de março de 2011

Colcha de Palavras

Agora, de noite,
junto todas as minhas palavras
e envolvo-me nelas,
como num grosso cobertor.

Se preciso delas para aquecer-me
é porque mal me acostumei.
E essas palavras tornam tudo ambíguo.
O tempo. Não sei se é muito
ou pouco.
(Lemos como aprouver)

Se o tempo é muito,
que maldade!
Como se tomar as palavras por rotina
fosse me fazer esquecer da beleza delas.
Será? Nunca!

Se o tempo é curto,
que triste!
Pois eu preciso de prática,
e já acabou o poema!

sábado, 12 de março de 2011

Tudo

Tudo? Tudo é muito vago, Gilberto. Tudo pode ser muita coisa. Vá, ande, feche os olhos e pense em tudo o que está acontecendo na sua vida. "Tá" Então, aposto que pensou no que te aflige agora, ou em algo que te faz relaxar, que te faz feliz. Talvez os dois ao mesmo tempo, quem sabe? Agora abra os olhos. Vê? Não há nada disso acontecendo! "Há sim, Marcela, há sim." Há, mas há muito mais! Olhe só: Aquele cachorrinho ali, fazendo pipi no poste, ele está acontecendo na sua vida. Aquele homem fazendo exercícios, também. Aquela folha caindo da árvore...ali, ó! Caiu. Ela aconteceu na sua vida. Eu aconteço na sua vida agora, e cada palavra que sai da minha boca acontece no espaço entre a minha vida e pensamento e a sua vida. "Eu existo pra você também." É como se quando nós não estivéssemos olhando as coisas deixassem de existir até que as sintamos com tudo que existe em nós. E agora nós nos percebemos aqui. Cada molécula, todos os pontos que os nossos sentidos alcançam, estão acontecendo em nossas vidas. "Agora eu aconteço em você." E você acontece em mim! E tudo isso a nossa volta acontece em nós. Grande coisa é convergir os nossos acontecimentos. Estarmos juntos, assim. Fica mais fácil o tudo.

quarta-feira, 9 de março de 2011

Segurança

Segurança
é segurar.
Então,
segura na minha mão,
porque eu tenho os pés no chão.
Vamos andar?

quinta-feira, 3 de março de 2011

O Câncer

Ah, vai dizer que nunca sentiu nada se remexendo dentro de você, como se você estivesse querendo se botar pra fora? É, isso é o Câncer. A despeito de tudo o que nos dizem e nos dirão os médicos, o Câncer é patologia espiritual. É quando tudo se ajunta, e forma uma massa de frustrações e anseios. Isso mata rapaz. Mata até quem é vivo. Mata quem é vivo de perto, assusta quem está de longe. É preciso correr atrás da felicidade - e ser feliz, por conseguinte, para evitar o Câncer.

segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Sobre a morte

A morte já chegou!
Manda ela entrar, sentar,
tomar um café.
Liga pro papa-defunto, que eu tomo minhas medidas
ele não terá tanto trabalho assim pra me empacotar.
Confesso que engordei, vou precisar de algo maior!
(Esquece o mógno, vai, compra caixão de madeira comum,
tá ótimo, pra economizar, compensar pelo tamanho)
Você pode pôr sua capa de chuva no meu cabideiro
encosta a foice na parede ao lado da porta,
mete medo em mim e me ensina alguma coisa,
pra que eu possa ter uma frase de efeito
antes de sair por aquela porta com você.
"Eu...eu...fui feliz. Cuide de sua mãe."
Então, eu poderei ser discursado, alegorizado!
"Ele foi um homem feliz, que amava a sua família, que amava os seus filhos,
exemplo de amor para todos nós, ajudava os mais pobres e os desabrigados"
Tudo bem que eu não faço isso,
mas eu fiz uma vez.
Daí, conta como feito, e compensa:
todas as surras que eu dei em minha mulher por causa da bebida,
ou todas as vezes que a traí ou fui injusto de propósito com os meus filhos.
À propósito, gostava mais do menorzinho.
"E deixou seu legado a nós, com certeza está no céu agora!"
No céu, no céu dona morte.
Eu vou pro céu, né?
Não é?
Por que essa cara?
Esquece. Tá, pera aí deixa só eu lavar a louça.
Deixa só mais cinco minutinhos,
já já eu acordo, mãe...
NÃO!

domingo, 27 de fevereiro de 2011

Proibido o amor!

Agora havia lei.
"Não se pode falar em amor!
É proibido amar!"
Dizia o aviso que li.

Fecharam-se as organizações,
os hospitais, os circos
os bares, motéis,
não haviam mais gorgetas
não havia mais serviço
(que não fosse o pago, mal feito)

Mais do que as organizações
hospitais circos bares motéis gorgetas serviço,
fecharam-se as pessoas.
(algumas de vera nunca foram abertas)
Fecharam-se as possibilidades do bem.
Mendigos morreram, sem amor, sem amar
As crianças não mais riam, os palhaços choravam
- os cães não abanavam mais os rabinhos!

Não havia mais abraço,
não havia mais beijo,
não havia mais ódio carinhoso, pensamento em cadeia,
não havia mais pele para sentir,
apenas panos, panos, panos,
que levavam a duras penas
o que leva discórdia no mundo.

E cresceram as religiões!
As igrejas lotavam cada vez mais, com cada vez menos fiéis
e cada vez mais postos, chefes, subordinados, ascenção e queda.
Acabou a liberdade,
porque agora quem não ia ao culto, no domingo
ia direto ao inferno.

Proibiram o amor.
Quem foi, não soube.
Só soube que sumiram, morreram,
todos aqueles que eram amor.

sábado, 26 de fevereiro de 2011

Dos talvez e pode-ser

um passo pra frente é deixar as pegadas pra trás.

domingo, 13 de fevereiro de 2011

Canção do Adeus

Ele:
Cansei de chorar,
Cansei de perder.
Se tem que acabar,
É assim que vai ser.

Se toda canção
Fosse de solidão,
Te daria umas mil,
Pra curar coração.

E eu sei que é difícil a caminhada,
Mas eu ainda acredito no amor.

Ela:
Te peço perdão
Pois tentei cultivar
Uma bela paixão
Mas não pude evitar

Que o meu coração
Fosse a outro lugar
Para um outro amor
Que eu quero esperar

E eu sei que é difícil a caminhada,
Já é tempo de dizer adeus.

Ela e Ele:
Quando os sonhos não são mais os mesmos,
É tempo de cantar o nosso adeus
Na certeza de que o mundo é firme
Em ditar o nosso amanhã.

Ela:
E se a verdade se esgotou...
Ele:
Isso se ela já foi dita a mim!
Ela e Ele:
Já é tempo de virar as costas...
Ela:
Não posso mais dizer
Ele:
Mesmo que eu queira dizer
Ela:
Não posso mais dizer
Ele:
Te amo.

sábado, 12 de fevereiro de 2011

Ao ar

Fecham-se as portas
Fecham-se as janelas
Esta sala está cheia de ar.

Para que condicioná-lo?
Dar-lhe a condição de frio, impessoal?
Deixo que os pulmões respirem fundo
e a paixão caia aos meus pés.

O ar é muito.
Quando comprimido, pouco.
Quando reprimido, tenta se libertar.
Mas facilmente aceita
Ser instrumento da minha mais rudimentar sobrevivência.

Agradeço o ar.
Mas há críticas também, por assim dizer:
Não me falte, não me falte!
Quando a linda moça aparecer.

sábado, 5 de fevereiro de 2011

Aqui mora gente (in)feliz

Estes dias sim, foram ótimos. A distar de tudo o que se pode sentir - o primeiro beijo, a primeira paixão, as surras, brigas, as traições - nada, nada se compara ao sentimento de ter um filho. Eu fui um filho. E agora sou um filho pai. Lembro que, na minha época de filho, era tudo muito rígido, papai e mamãe religiosos, dogmáticos, não me havia liberdade para nada. Tensão e repressão geram comunmente transgressão: Ah, sim, o dia dos meus cinco anos em que escrevi "vagina" com giz de cera vermelho em todas as paredes da minha casa. Era uma nova palavra - queria mostrar que tinha aprendido. Quando tive o meu primeiro filho, e minha primeira impressão de um sentimento incomparável, decidi que meus filhos poderiam escrever o que quisessem nas paredes, livres de admoestação. Leon escrevia e desenhava todos os dias, desde os seus 3 anos, quando descobriu que isso lhe era permitido. Haviam arvores, projetos de pessoas, uma casa, havia a grafia "Papai". Sim, como eu, aprendeu a ler e escrever sozinho aos 3, e admirava as palavras como verdadeiras amigas. E um dia meu filho me surpreendeu da forma mais incrível. Quando nasceu, pendurei na porta de minha casa uma placa: "Aqui mora gente feliz". E antes do tormento, Leon pichou a placa e alterou a mensagem para "Aqui mora gente infeliz". Perguntei a Leon:
- Sente-se infeliz por morar aqui?
- Não papai, não mesmo.
- E por que mudou a placa?
- Só mudei. Disseram que se eu puser "in" na frente das palavras elas viram o oposto do que significam.
A partir daquele dia as coisas começaram a decair. Leon não escrevia mais nas paredes. Regina teve câncer, deixou-me a inteira responsabilidade de educá-lo, e de livrá-lo dos traumas que sua morte causou. Leon tornou-se médico, pois não quis se tornar artista. Esses dias nos tomaram a alma, nos arrancaram a existência. Todavia, ontem, voltando do mercado, vi o carro de Leon na porta, e ao olhar a porta, ainda rabiscada depois de tantos anos, a placa que ostentava uma nova mensagem: "Aqui mora gente ininfeliz"

sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Esperança

Uma mudança muda,
uma mudança cresce.
Uma mudança é muda,
tanto que floresce.
Uma mudança é muda,
tanto que emudece.

domingo, 9 de janeiro de 2011

Foto e grafia (2)

Um abraço
um amor
de dois amantes
dois sorrisos
uma é a alegria:
partilhada.
Não há brilho em olhos
não há gente voando
não há dor que não doa...
Há, nesse colorido fotograma
expresso um instante
de um filme de amor puro e genuíno
que em seu vértice, no pré-declínio
se gravou na obturação.
Se há depois, choro e vela,
não sei.
Mas sei que há na foto o que se expressa
na feiúra dos dois amantes
a beleza de ser um só:
um abraço
uma alegria.

sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

Confissão

Confesso que há muito não choro.

Que há nisso então?
O choro é de quem se dói
teatro de expurgar...
e do que sofre, escape
ápice
que antecede o desmaiar do sono.

Na realidade, sei
que o choro não é só de lágrima.
Também podem em suas águas escorrerem
os versos de quem se banha...
Se assim, confesso que há muito choro:
e confesso no meu choro
sem dó, sem decoro.

E então,
desmaio, me entrego.
Chega enfim o sono do poeta:
esgotou-se o medo.

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

A história do homem que jogou as credenciais em cima da mesa

Entrou. A cara, determinada. Não, não irritado, digo, talvez irritado, mas não de momentos, aquela cara fechada mas sem agressão? Sabe? Isso, essa mesmo. Então, entrou. Bateu a porta, cara, nem tão forte assim - até porque ele não estava irritado, nem tão fraco. Acho que a determinação faz isso com a gente. Não lembra do Jorge, aquele que morava no apartamento de frente pr... Ah, não? Então esquece. As pisadas foram três, até a mesa que ficava no caminho até o homem engravatado. Pisou firme, hein! Mas não fez barulho. O terno era italiano mas ele escondia uma mancha de café do lado de dentro e um buraquinho debaixo do braço, o sapato era bom mas não tava lustrado, sabe como é, hoje em dia está todo mundo vendendo disco pirata, não tem muito engraxate por aí. Aí, ele entrou: Três passos, a cara, o terno, o sapato, a mesa. Tinha um homem do lado do arbusto. Era moreno e usava óculos escuros. Se era segurança eu não sei, mas que parecia, parecia. Não era tão pequeno nem tão grande, mas óculos escuro com terno deixa todo mundo com cara de babaca perigoso. Não babaca de idiota...ah, você entendeu. Daí ele entrou com aquela cara, três passos, fingiu que não viu o segurança, óculos escuros, o sapato sem brilho, o terno furado, a mesa de mogno maciço. Ele entrou, meu irmão. Entrou e jogou as credenciais em cima da mesa.