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Nem sempre sou quem escrevo, mas sempre sou quem escreve.

quinta-feira, 12 de junho de 2014

Guardava comigo aos 65, como segredo de pecado, os meus escritos. Eram pequenos contos, que havia elaborado durante todo aquele ano, o primeiro de minha aposentadoria. O que predomina, no peito, é a vontade de ser criança. É sempre invertida, a vontade. Quando sou velho quero ser criança, quando sou criança quero ser adulto, quando sou adulto quero logo ser velho. A vontade não nos permite relaxar nem no leito de morte. É o querer-quebrar, o ir além, andar, retroceder, evoluir, amar... a vontade.

Dentro de um baú azul e pequeno guardei grandes histórias e poemas. Haviam mais de 140 deles. Enredos mirabolantes, fantásticos, histórias de morte, de vida, de fim e de início.

Como pude me esquecer das pessoas que amo? Como sou tão egoísta?
Sempre me faço as mesmas perguntas.
Sempre.

e não há poema, conto, arma que resolva. Isso me dilui. A vida me dilui em matéria-adubo.

Morri hoje.

O Argumentador

Ele era até civilizado pra um homem que carregava uma pistola. A terra girava devagar naquele dia. As matizes de terra vermelha e o azul do horizonte eram uma projeção daquela cidade. No sobrado em que os homens iam para exercer seus convívios e abusos, ele ia encontrar uma moça em especial. Ouvindo só o burburinho lá de baixo, talvez um pouco do cheiro de bebida, talvez um ar espesso de cigarro, ele se encontrava recolhido, sentado à cama ao lado de Darla. Suas feições eram angulares, a sua barba longa e o cabelo caia um pouco na cara, escondendo uma cicatriz de bala na testa, que levara de raspão em uma dessas aventuras. Na cintura carregava uma pistola prateada, com detalhes dourados no bastão, e ao longo do cano. Do outro lado em um cantil trazia aguardente, no corpo um cinto de balas, uma espingarda que carregava nas costas mas que, no fim das contas, usou pouco ao longo da vida.
Gostava mesmo era de discutir, e por ali era conhecido como "O Argumentador". Rezava a lenda que ele já tinha convencido um maquinista a entregar um trem cheio de ouro voluntariamente. Falava como quem sabia o que queria, e dizia o que pensava do mundo, do sistema, de como era deturpado aquele lugar. Era ladrão por ideologia. Caminhava sozinho porque ninguém aguentava-se de orgulho perto dele.
- Me abrace, querida Darla.
Era a única que gostava dele. Mas Darla não contava, afinal, não amava a si, fazia isso muito porcamente. Ele a convencera de que era uma sorte de messias do amor, e ela nunca cobrou seus serviços quando ele passava por lá. Os momentos eram sempre loucos para ela. Para ele, um pouco de vida a mais, um pouco de vida a menos.
- Me conte uma história antes de deitarmos de vez...

E ele pouco sabia sobre histórias. Se lembrou de um homem com quem discutiu e que deixou tão sem argumentos que o homem sacou a pistola, e ele teve que torná-lo um homem outra vez. Um dos poucos abates que sua pistola fizera ao longo dos anos...
Foi dormir pensando em quão felizes eram os homens das armas e seus bandos.