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Nem sempre sou quem escrevo, mas sempre sou quem escreve.

domingo, 28 de agosto de 2011

Pés sujos

Sou o guerreiro dos pés sujos
o soldado e raso e descalço
amor é o que levo no peito
nada mais além do passo

E as lágrimas se contém
mas é como se já tivessem esgotado
de tanto choro no mundo
de tanto sangue escorrido
do contato do pé maculado

O meu caminho já é fim
o meu sorriso é pra mim
mas o amor é agir

E se um dia eu cair no esquecimento
nem a metafísica segurará as minhas pontas
outro terminará com os pés desnudos
infindo como eu

quinta-feira, 25 de agosto de 2011

Carta a Gustavo

Caro Gustavo,
Escrevo-te pois ouvi do que você passa. Não ouvi de você, por isso não sei com exatidão o que você tem ou o que deixa de ter, mas me arrisco a redigir essa carta pelo imenso carinho que já recebi e ainda recebo, e pelo apoio que me disponho a dar.

Passo hoje momentos alegres. Tudo vai bem, agora, ao contrário do que acontecia quando nos víamos com mais frequência. E como já disse, procuro aproveitar a alegria para ajudar a quem não anda alegre, porque sei que preciso de ajuda quando eu estou fraco.

O que tenho para dizer é: Apesar das circunstâncias, ame. Lembre-se de que existem pessoas que querem cuidar de você. Não ignore esses conselhos. Considere-os, analise-os e conforme o teu interesse (ou o de Deus, se você ainda acredita nele), aplique-os na sua vida.

E lembre-se do que te falei sobre a felicidade. Que está no frutificar, no fortalecer ao outro. Está no amar. A alegria não vai te acompanhar pela vida toda, já que, ao contrário da felicidade, ela está atrelada ao sucesso, ao ter. Mas a felicidade com certeza te garantirá a paz necessária para não perder o eixo num momento crítico.

Do seu irmão, que se oferece para te ouvir, e que vive uma vida feliz, mas nem sempre alegre,
Felipe.

domingo, 21 de agosto de 2011

Aqui

Dispara-te a ver:
o que se vê aqui é parte.
O que se percebe, metade.
E há os que até não vêem,
não crêem,
mas o que aqui (alguns) vêem, existe,
e aqui se vê em parte.
Onde será, por fim, que encontro
o inteiro, a verdade?

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

B512 (E como um avião quebrado foi bom)

Eu me lembro desse tempo
que o horizonte era infinito.
Agora, o universo se desatinou
diante dos meus olhos.

Um planeta bem lilás
me mostra com sua luz
que é lindo se viver.

Um planeta bem pequeno
onde o por do sol
é só o amanhecer.

E se for o futuro esperar,
é certeza de morrer no amanhã,
rápido como um cometa.

Mas, se viver o meu amor,
nunca vou perecer,
mesmo que me esqueçam
fico cá, feito pensamento sem espírito,
fico certo como estrela.

quinta-feira, 18 de agosto de 2011

#6

tex
text
texto
textu
textur
textura

Rádio

As vezes Deus me presenteia
Com uma canção no rádio
que não era a que eu esperava.

Mas, as vezes, é justamente a que eu queria ouvir.

terça-feira, 9 de agosto de 2011

A caixa

- Não, não, eu olhei meio que de lado, assim ó.
- E eu olhei reto, retinho.
- O que se pode dizer, né? Cada um olha de um jeito, mas essa caixa é uma só. E o que será que tem dentro?
- Vai ver não tem nada e puseram aqui só pra gente olhar essa caixa verde.
- Amarela
- Vermelha
- Ahn-ahn, isso é azul, senhores.
- Que azul o que, Almeida! Você sempre fala como se fosse o dono da verdade. Um dia ainda pega um pós-doutor em cores pra te mostrar que a caixa é verde.
- Amarela
- Vermelha
- E você adora me contestar, vai dizer que não? Se eu digo que é bom, você diz que é uma merda, e agora que disse "azul", disse você "verde", fosse eu que dissesse o verde, aposto que tua opinião era outra.
- Nem azul, nem verde. Isso é vermelho, sim senhores! E é vermelho dos fortes. Não vê que despertou as nossas ânsias e paixões? Só o vermelho faz isso. A caixa é vermelha. Pode até não ter a cor vermelha, em si - embora tenha, mas mesmo que não tivesse seria vermelha desde o início.
- Amarela
- Verde
- Azul porque é o que me desperta a certeza de que é azul. Não fosse azul, não teria tanta certeza. Mas azul é minha cor favorita, ô Silva. Eu sei quando as coisas são azuis. Vai ver é até vermelho por dentro, mas por fora, é zuzim.
- E o que será que tem dentro dessa caixa verde?
- Amarela
- Azul
- Veja bem, veja bem. Estamos aqui, um em cada lado dessa mesa. Mas eu estou sentado cá, olhando assim, meio de lado. E os lados que eu vejo - dois por sinal, são vermelhinhos que só coração e decoração do dia dos namorados, pois venha cá ver, Almeida!
- Eu não preciso de ir aí coisa nenhuma rapaz! Pois eu olho aqui, sem confusão, sem essa dúvida tua aí, de olhar de lado, onde já se viu. Olho retinho aqui e a caixa é azul.
- Verde!
- Amarela
- Amarela é que não é. Mas, ué? Só tem três aqui, Eu, tu e o Fonseca. Cadê o homem do amarelo?
- Tô cá em cima, rapazeada.
- Ih, rapaz! Tem um cara no teto. Feito Homem-Aranha.
- A parada é amarela, sim. E dizem que de cima é que se vê as coisas direito, né? Então pode crer.
- Amarelo?
- Verde! Verde!
- E o que será que tem dentro da caixa, hein, Homem-Aranha?
- Sei lá, jovem. Tem um buraco aqui, no meio do amarelo, mas não dá pra ver, tô sem meus óculos.
- Tu sofre de quê, hein?
- Miopia, velho.
- Quantos graus?
- Uns 2 em cada olho, sabe?
- Pois é o mesmo grau que o Fonseca. Empresta teu óculos aí pro Homem-Aranha, Fonseca!
- Agora. Ih, rapaz! Olhando aqui de cima, não é que é amarela mesmo?
- Vermelha...
- Azul!
- Sobe aqui, sobe aqui, Almeida! Dá uma olhada só! É amarelo com um buraco no meio.
- Duvido... é azul.
- Vá lá então, Almeida.
- ...
- Maria mãe de Deus, a caixa é amarela, Silva!
- Vermelha!
- Então eu te desafio a vir aqui ver.
- ...
- É, é amarela mesmo, né?
- É
- É
- Morou?
- É.
- É...
- E o que será que tem dentro?

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Cel. Moreira Cesar

Há muitas cores aqui
e muitos sorrisos
um barulho metálico
os (L)ouros da vitória

um bobo na esquina
sua,
pinga um tom de cinza

e há muitas outras cores que permanecem

terça-feira, 2 de agosto de 2011

Pétreo

Os olhos são cegos, Jane. E eu penso que, se cada palavra que te digo aqui é imagem pura e simples, que você enxerga através do conjunto de frequências audíveis ou de letras, sílabas unidas, é aí que está puramente a sua visão e a concretude das coisas. Mas ao mesmo tempo é limitar tudo aos seus respectivos nomes. Sendo assim, os nomes são crimes capitais, limitações ridículas. É como se o nome fosse o tijolo da casa, e o barro do tijolo, e a terra do barro... como se o nome fosse o próprio mundo. Ar, ar, ar, ar, som, som, som, som...
Mas o que é o que pra você, Jane? O que é um nome? Sentimentos são tão particulares quanto os significados. Quando lhe digo algo, que é algo pra mim, digo-lhe não o que quero dizer, mas o que de fato você pôde entender. Como quando você sente algo por alguém. Amor, ódio, compaixão, inércia...todas essas coisas não deveriam de ter nome, porque são infinitas. E daí você encontra uma palavra que te abre o mundo, que te revira os olhos e faz você fechá-los e pensar em tudo o que ela pode te ocasionar. Uma infinitude. Uma abstração sem final! Uma coisa que não tem nome. Uma palavra que não tem nome.

- Olá, meu nome é Jane. E esse é meu cão-guia, Mercedes, é uma cadela. Confuso, não é? É cadela, mas chamam de cão-guia. Parece que é macho.
- Ah, português é uma doideira só, Ja... Jane, né?
- Isso. E você é...
- Maria, Maria. Atendo pelo nome de Cota, também, é apelido.
- Tudo certinho, Cota. É o seguinte: Como você pode perceber, eu não enxergo, sou cega de berço. Preciso de ajuda aqui em casa com cozinha, roupa e faxina, além de ter que confiar em você, porque hoje em dia é um tal de empregada querendo roubar patrão... se até quando enxerga, rouba, imagine só eu, que sou ceguinha, ceguinha? Passo aperto.
- Nada, nada, dona Jane. Sou da igreja universal.
- Jane, apenas. Não sou sua dona!
- É só jeito de dizer, dona... quer dizer, Jane.

Mercedes olhava tudo, impassível. Parecia até que entendia tudo. E não é que entende? Quem nunca disse ao seu cachorro: "Deita, late, finge de morto..."? E, por incrível que pareça, ele entende, e obedece, por associar um movimento a ordem. E se ensinássemos o cão a deitar, sob o comando "late"? Ele obedeceria errado? E se dissessemos ao cego que o azul é verde, e o verde é o azul... se provássemos que a nota de cinco era de dez, e a de cem era de dois... Os cegos são fracos porque não podem ver.

ou não.

Ou são mais fortes que todos nós, mais aptos a entender toda essa abstração que gira em torno da palavra. O que é o formato da letra, o que é uma cor e uma fonte? Amor é preto, ódio é preto... o Azul, o Verde, até Mercedes, a cadela, o cão-guia, é preto. Preto que é preto também, e é uma das poucas descobertas na vida de um cego, mas a melhor e mais deliciosa de todas elas: Descobrir que a palavra é um buraco negro, profundo, mas assim dito, preto.