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Nem sempre sou quem escrevo, mas sempre sou quem escreve.

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Culpem Leon

- Na verdade eu quis escrever mais uma das minhas histórias - disse Leon enquanto procurava uma posição confortável para sentar - mas me senti um pouco culpado.
- Que é disso, camarada? Leon, um dos maiores escritores que já conheci, o melhor da minha rua, de longe, dizendo que se sente culpado por escrever? - seu amigo Carlos replicou, e deu um gole na cerveja - Isso aí é viadagem, meu rapaz. Faça logo essa história que te atinge aí, e emociona todo mundo.

A verdade é que Leon era culpado, de fato. Seus livros publicados - todos romances de amor - emocionavam o público intensamente.

- E a verdade é que quis escrever uma história de amor com você, Geraldo! - gritou Luísa Cristina enquanto chorava, e as lágrimas escorriam no seu rosto - Ah, você acabou com a minha vida, destruiu tudo que eu tinha!
- Pelo amor de Deus, Luisa Cristina! Me perdoe, você é minha vida. Se você se for, não poderei viver! - ajoelhava-se Geraldo - Juro que me mato, me mato sim!
- Então se mate, Geraldo! Você é um desgraçado! Na hora de olhar para aquela mulher você não pensou que eu era sua vida, não é? Morra!

O romance entre Geraldo e Luisa Cristina, que termina com a reconciliação, uma redenção quase Cristã, vendera aos montes. E Leon quis, mas não quis, escrever mais uma de suas histórias. Passaram por sua cabeça nomes, situações, traições, brigas e estardalhaços. Seus romances eram jornal de cinquenta centavos.

- A verdade, Leon, é que eu cansei dessa vida do seu lado. - Alice arrumava as malas e marejava os olhos - você cheira pó o dia inteiro, na frente desse computador. Quando não está alto, está bêbado com Carlos. A culpa é toda sua.
- Então vai. - Leon via tudo embaraçado.
- Eu até te amei, do jeito certo. Mas infelizmente não posso mais - Alice arrastou a mala até a porta - Vou seguir minha vida, e você siga a sua.

Alice arranjou um outro rapaz. Não é do tipo que todas as mulheres gostam, mas ele a tratou muito bem. Daí nasceu Roberto.

- Roberto! Eu não aguento mais suas traições! - Gritava e esbravejava Paula - Você vai pra rua hoje, vá morar com seus pais, o que você quiser! E tome, leve esses livros daquele ex-marido de sua mãe, só me fazem sofrer mais! Você acabou com a minha vida!
- Não, meu bem - NÃO ME CHAME DE MEU BEM! - não se vá, Paula, eu te amo muito, demais. Eu só terei olhos pra você, daqui pra frente! Nunca mais vou te trair. Se você for embora, a minha vida é que acaba. Juro que me mato, Juro!

                                        Jornal do Cidadão
                     por cinquenta centavos, muita informação!

      APAIXONADO SE JOGA DO DÉCIMO SÉTIMO ANDAR DO PRÉDIO!

Nessa quinta-feira, dia 27 de setembro, suicidou-se Roberto Almeida, que se jogou do décimo sétimo andar do Edifício Moura, na rua da Câmara, Centro. Por pouco, o corpo não atingiu uma velhinha que passava na hora do suicídio. A surpresa causou espanto dos transeuntes, assustou um motorista que causou um engavetamento na altura do edifício. Os parentes afirmam que Roberto apresentava sinais de profunda depressão devido a um recente divórcio. A perícia encontrou no seu sangue vestígios de cocaína, que indica que o sujeito estava drogado enquanto se lançou do último andar do Moura. Paula, a ex-mulher, não quis falar ao Jornal do Cidadão.

domingo, 2 de outubro de 2011

Jorge e as canções-encontros

Cada timbre é um encontro, Jorge. Cada canção. E não é pra você se deixar levar tanto assim, mas é pra não ter tanto o pé no cimento, coloque ele na terra, pelo amor de Deus pai. A caneca de café já esfriou, aliás, você bebeu ela pela metade, e a repousou na bancada da cozinha. Icaraí já não parece tão atraente assim. Mas finalmente, a ti parece que alguém te encontrou, e uma canção toca e reverbera no oco do seu apartamento à beira-mar. E chovem pensamentos, quanto será que foi o jogo do vasco, amanhã preciso entregar um trabalho, e a louça está toda pra lavar, veja só, essa música vai ficar repetindo na minha cabeça, acabou o açúcar, tome cuidado, rapaz, tome cuidado, Jorge. Tome cuidado com as canções que você anda ouvindo. Cada canção é um encontro. Te disse, ou você mesmo notou, quando o café ainda era quente, do que a felicidade fazia com o seu bairro, do que o mar fazia com os prédios. Agora, já enferrujado, vem me dizer dessas canções e encontros, que de fato são muito belos. Mas deixo pra você meu aviso, homem: Tudo o que você encontrar, durante toda a sua existência, necessariamente tem de te encontrar também. Caso contrário, não é en-contro, não é en-canto, não é canção. Olha pela tua janela, rapaz. O mar já enferrujou o teu toca-disco. Abre o ouvido e pálido perceba: a canção não toca, você só está com ela na cabeça, você nunca presenciou nada. E por mais triste que isso seja, Jorge, não há timbre. E cada timbre é um encontro.

Na vida, uma certeza se tem:
Tudo que a gente encontra,
encontra a gente também.

sábado, 1 de outubro de 2011

Triste realidade

Era uma vez uma pessoa
que só sabia falar mentira
adivinhem só:
Ela não existia.
Quer dizer, ela até existia,
mas nunca existiu de verdade.