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Nem sempre sou quem escrevo, mas sempre sou quem escreve.

sábado, 10 de agosto de 2013

Thélos

Tomar uma caneca de café. É tudo o que eu queria. Na verdade nem tudo, porque gostaria de tomar um café ao lado dela, enquanto o sol batia na janela, e translúcido, chegava ao rosto e deixava mais clara a fumaça que saia da caneca quente. Daí seria perfeito, não fosse eu ter estragado todo o meu relacionamento e agora estar aqui, sozinho. Não me lembro há quantos dias não tomo banho e estou com esse mesmo moletom velho que ganhou um novo rasgado. E talvez tenha perdido um pouco mais da cor. Vejo que a vida é assim - empenhamos a nossa força pra desbotar e envelhecer. Não há razão em amar. O som que a tampa do meu pote de café faz é único, plástico no vidro, arranhando, duro e difícil de abrir. A parte pior do processo, talvez, seja tirar o café de lá: a boca do pote é menor que o meu pulso, e a colher, curta demais pra se encher facilmente. Então eu abro o pote, cujo barulho me dá nos nervos, e fico tentando achar um meio termo, um jeito de acoplar o meu pulso e encher a colher de café. Por em um coador de meia que está com aparência de molhado, dormiu na geladeira. Em dormir, não durmo há alguns dias, também. E o gosto do café é algo que eu preciso ter, não pra dormir, puramente, mas pra acordar. Pra vida. Afinal, tenho trabalho e tinha amigos. Ela me roubou o espaço, preencheu todos os meus cantos. Vi a minha própria imagem ao olhar a leiteira onde esquento a água que já dava sinais de ebulição. Pus a meia na boca da garrafa térmica, derramei a água cuidadosamente... e do outro lado saiu café. Um milagre digno de um Cristo, diga-se de passagem. Ao fim do processo, enfiei uma colher na meia e torci pra que o café saísse até a última gota. Até a última. Gota. A gota d'água foi quando ela fez um escândalo porque conversava com uma outra moça que havia conhecido um outro dia. Ela disse que eu traí ela. Acabou. Ridículo.

Derramei meu café na caneca vermelha e dei um gole. Eu havia mudado da água pro vinho.

segunda-feira, 8 de abril de 2013

a poesia 
pinga
dos olhos
sóbrios

Não
entendi
absolutamente
nada

quinta-feira, 14 de março de 2013

A árvore das almas

se tudo o que for
é o que olho no espelho
que desperdício sou
pois se não há verdade
somos todos Deuses
que se vão com o tempo.

sou verdade
matéria finita
espírito eterno
sujeito a quem me fez assim
volátil

sábado, 9 de março de 2013

A vida não é

Lembro-me de minha mãe, no leito de morte, em um último suspiro, dizer: "Filho, a vida não é só poesia". E a ironia é que este foi o momento mais Hollywoodiano da minha vida, foi um vídeo-poema, se minha vida fosse um vídeo. Mas ela não é.

Aos sessenta eu fumaria charuto e saberia versar sobre qualquer assunto: entenderia tudo e todos e explicaria de uma forma que ninguém entende porque é tão pessoal...mas as pessoas no fim das contas absorveriam pouco e suficientemente para escreverem uma tese ou experimentarem um transe de tão metafopoético o que havia sido dito com tanta precisão. Aos cinco já tinha noção do que era poesia. Já rimava, ritmava, cantava muito desafinado, porém interessado no que aquilo tudo me proporcionaria. Sentimentos profundos, intensos e conhecimento além do imaginável. Brilho e luzes. Holofotes, sorrisos, poesia por felicidade.

Aos 24 seria poeta, músico, plástico, cineasta.
Aos 25 arranjei o emprego da minha vida numa empresa X. O salário era bom, alto.
Aos 26 vi que o estresse havia tomado conta do meu corpo. Era venoso, visceral, já era meu: o emprego que não queria, que não acreditava, a carreira que não almejava, o que não havia planejado. A intensidade dos sentimentos havia ido embora.
Aos 27 casei e aos 30 fui feliz pela primeira vez.
Não escrevia mais poesia. Não havia mais olhar clínico para desvendar a metafísica das coisas. O que sobrou de Deus foi só sua ajuda e confidência. Nunca mais daquelas conversas subvertidas. Minha mulher não dizia mais "eu te amo".
Minha mãe morreu e eu vi que nem tudo era poesia.
E daí em diante virei poeta, músico, plástico, cineasta. Do jeito que minha mãe era: sem notar.

Aos 60 eu almejo a aposentadoria porque não aguento mais meu emprego. Mas encontro beleza na constância. Minha mulher ainda está aqui. Meus filhos não mais.
Se a intensidade é uma batalha, a constância é a guerra. A intensidade torna-se vulnerável frente ao meu corpo cansado e carcomido pelas experiências de um mundo que suprimiu minha habilidade de desenhar.
Porém não sento mais em uma cadeira como um velho estúpido, grosseiro e arrogante que diz coisas bonitas. Posso dizer as feias, mas elas são constantes.

A vida não é tudo o que a gente pensa.
mas ela pode ser feliz.

domingo, 3 de março de 2013

Heroína

Mãe, mãe, mãe... por que viagem é com gê e viajar é com jota?
Ah, meu filho, não sei.

O filho fez uma cara de tristeza porque estava naquela fase de acreditar que a mãe sabe de tudo. E a mãe estava naquela fase de olhar para o filho exacerbando tudo o que ele sente. Uma fase que só acaba quando a mãe morre. Ele precisava de uma heroína.

Ah, lembrei!
(o filho quase saltou da cadeira do ônibus)
O gê e o jota eram grandes amigos. Tão amigos, mas tão amigos, que gostavam das mesmas coisas e tinham um som parecido. Um dia alguém resolveu que a palavra Viagar seria com gê. Mas o jota adorava Viajar. Era até mais bonito. O gê, porém, não queria abrir mão da Viagem e os dois acabaram brigando. Depois da briga o gê, magoado, até passou a assumir outros sons. Viagar, agora, era errado! O jota e o gê viram que a briga era estúpida e resolveram dividir as palavras: o gê ficaria com a Viagem, e Viajar seria do jota. Os dois viagjariam. Juntos.

O filho tinha certeza que era mentira, mas fingiu que acreditou. Afinal, a mãe dele sabia de tudo.

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

Pantone


o nosso amor
é como uma velha
que tendo a casa nova
pinta as paredes por pintar

o nosso amor
muda de cor
só por mudar
pra ser maior

é da pantone
esse nosso amor

domingo, 17 de fevereiro de 2013

Gênese

Antes de tudo, o escritor é vazio. Não é tabula rasa, não é bom selvagem, não, nada dessas merdas que se inventa por aí. É algo que não se pode pensar-imaginar e portanto entra no obscuro campo das coisas que não existem-significam. Pense só num ser que é vazio de tudo, um ser que não é: o artista já nasce com a contradicção em sua boca. É fanho de natureza e de propósito/destino/vontade.

A palavra nasce juntamente com o escritor, e o encontro dos dois é o que se chama por aí complementaridade (quando um excesso se acopla a um vazio) e o que não concordo. A relação homem/palavra é a fusão de dois vazios formando uma identidade concreta. Absurdamente concreta.
O vazio do homem encontra-se com o vazio da palavra e eles começam a andar juntos. É o que Pessoa fez quando descobriu que várias palavras nasceram com ele. Justamente por ser vazio, encheu-se delas, e elas, por serem vazias, encheram-se dele. Não há outro Caeiro. caeiro Caeiro.

O escritor é filósofo/scientista/astronalta espacial/filólogo. É técnico em tudo o que faz. É técnico até no erro, no juntar da letra e da palavra, na História, na mensagem. Transforma uma história em Tese.

mas antes de tudo
(com o perdão da contradição)
o escritor é poeta
e ouve luz.

domingo, 3 de fevereiro de 2013

Corda Bamba

E talvez seja por isso que muitas vezes não sei discorrer sobre as dores, ou não sei lidar com um sentimento necessário. Talvez seja por isso que o meu corpo não obedece o espírito, e o meu espírito luta contra o meu corpo. Talvez seja por isso que todos precisem ser salvos. 


O homem e
sua propria corda bamba
se perdem

anda
a cair 
de um lado
pro outro,
ainda que 
em certo ponto
doa
é muito mais confortável
deitar-se no colchão 
da falta de habilidade
e quando souber,
suspirar
e quando doer,
aguentar
nunca
se equilibrar