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Nem sempre sou quem escrevo, mas sempre sou quem escreve.

sábado, 28 de agosto de 2010

Assassínio Racional

Pois é. Assim foi. Discutiu, discutiu, e perdeu a razão, o pensamento, o fator vantajoso da perfeição moral. Não pela emoção, mas sim pelas suas conclusões. Um tiro acabou com tudo. Infelizmente ele não teve raciocínio para calcular essa razão: pôr um peso de uma morte em um lado, e o peso de se estar leve, livre de uma disputa pela razão. Não a razão que pesa, a razão que dá a vitória. Mas, que tipo de vitória seria essa? Uma vitória pela razão, sem razão, pois ele não havia calculado a razão. Como se ele fosse raso, profundamente raso, razão. E estava lá o corpo no chão. Pura e simples atitude contraditória da lógica matemática, da lógica moralística. Pobre homem. Tanto o que morreu, quanto o que ficou vivo. Não sabe este que a lógica é de cada um? Que acrescentamos coisas à lógica com o passar dos anos? Deitar alguém para sempre era muito lógico para ele. Agora não é mais. Talvez a fé separe para nós lógica além das limitadas razões.

sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Ela ligou dois anos após a partida

Eu ainda tô aqui:
mordendo caneta, falando besteira
e contentando o engano
com arco-íris de mangueira.
Não mudei
(só um pouquinho)
E você, que viajou por aí,
viu tanta coisa chover
viu tanta água subir
onde e quem você tá?
Eu? Eu ainda tô aqui.

terça-feira, 24 de agosto de 2010

Descoberta

Cada dia é uma nova!
Descobri as descobertas!
Quando descobrimos o coberto,
vemos que este era
justamente
outro cobertor.
Cada dia é uma nova!

terça-feira, 17 de agosto de 2010

Jorge e as mudanças imperceptíveis

Abrem-se as cortinas. Sim, isto faz parte daquele meu irremediável costume de começar histórias com períodos extremamente curtos e sem sentido aparente. Acho belo - aí vai outro período curto. E talvez eu goste disso porque creio que as nossas transições são feitas num período curto. Há quem diga que "não se torna isso do dia pra noite, não se faz aquilo instantâneamente", por causa disso, ou daquilo, ou daquilo outro - que é referencial dogmático. Pois eu digo que não: Todas as mudanças são feitas num período extremamente curto. Esse período se revela tão curto, que acaba por se disfarçar na corrente de mudanças, nos dando a impressão de que nada se faz do dia pra noite. Mas na verdade deixamos o passado para trás e ignoramos as consequências disto com a mesma facilidade que nos recusamos a mudar, por medo desses mesmos reflexos. Percebemos esse período curto quando moramos numa cidade voltada para o mar. Jorge mora numa cidade voltada para o mar. E como se não bastasse, se permite viver na avenida beira-mar.

Onde começa o mar? Onde termina a cidade?

Pois o mar está revolto em nossos eletro-eletrônicos. Trocamos de tevês e computadores e microondas muito rapidamente. A maresia invade a cidade, o mar invade o vazado dos prédios, enferrujando e deteriorando os nossos metais.
Abrem-se as cortinas e Jorge olha a avenida. Sinais, faixas, pessoas no calçadão, automóveis. Para ele explicar isso era fácil, pelo menos era o que pensava, ou não pensava, enquanto segurava a caneca de café que exalava uma fumaça fraca. "Ali começa o mar, na areia, horas mais em cima, horas mais embaixo, a maré dita seu começo como um general dita o posicionamento de suas tropas." Mas ele na verdade não podia explicar. Para ele, as mudanças da maré se exibiam na sua lentidão. Ele dizia que sim, e eu já me nego a compactuar com Jorge: Essas mudanças são feitas num período curto. Num milésimo de segundo, no exato momento, a maré tinha ficado imperceptivelmente mais alta. Mas quem poderá dizer que não está mais alta? Quem poderá dizer que não existe Deus? Creio eu que Ele tenha iluminado Jorge no momento exato. Tentou abrir a janela de metal, não conseguiu. Ali estava o mar, tinha se infiltrado em sua casa, no enferrujado de sua janela e em todos os seus eletro-eletrônicos. Ele percebeu que pisava no molhado metafísico do mar. Jorge sentiu-se alegre, a água estava fria, subiu-lhe um calafrio, um nervoso na espinha dorsal. Precisava sair. O carro dele não pegava. Talvez fosse o frio incomum que fazia naqueles dias, talvez não, nunca entendi muito bem os automóveis. Ele precisava de um carro novo. Sua vida também não pegava, precisava de uma nova, mas infelizmente, vida só se pode ter uma.

Jorge andava abstraido pelo calçadão da praia. Estava mergulhado no mar que descobrira há pouco. Encontrou um parque, com as barras do portão enferrujadas. Estava ali, era o sinal do mar, de que ele existia ali. Deitou-se na gangorra. Não via o céu direito, os prédios lhe davam esta visão defasada, irreal, parcial, do céu nublado que reinava. Era a cidade. E a cidade Jorge? Com o que lhe parece a cidade? A visão íntima dele era que o mar não se encaixava na cidade. Nunca havia percebido que morava à beira-mar. Não percebido óticamente, mas percebido com a alma, com a idéia, a razão. Para ele, cidade e mar não poderiam coexistir em paz: Ou o mar destruía a cidade, ou a cidade ao mar. Nunca havia percebido que o mar era o que havia erigido o seu prédio. Embora vivesse rodeado de construções - as constantes mudanças! - só atentava para a estaticidade do seu edifício. A cidade é como o mar, Jorge. É como a maré. Não se pode dizer onde começa, onde termina. A cidade envolve os seus tentáculos onde quiser. Mas, e no mar? Lá está a plataforma de petróleo e os navios cargueiros. Quem poderá dizer que a cidade não existe lá? Jorge olhava a plataforma. Era um prédio como os outros. Os prédios em construção - constantes mudanças! - o cinema desativado, os bares, o metrô, a cidade mudava numa rapidez novamente imperceptível. Era o curto período da hora útil, que fazia a cidade pender para um lado, a maré descer, e a hora inútil subia o mar que a plataforma enferrujava. Jorge sorriu, pisava agora no concreto. Mas era um concreto abstrato. Quem dera todos os dias as cortinas abrissem como hoje se abriram.

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Culinária

enquanto está na manteiga a cebola,
frito a calabresa,
espero pacientemente na mesa.
(...)

porque como é que cozinho,
porque me esqueço é que como,
do problema da vida
e do problema do estômago.

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

Imparei na retroguarda
salzinhei as quinas
duma cidade qualquer
não me importunôme
não quero saber
só mimporta o amor que predi
entre os pérdios desta rua.
E agora só mirresta
salzinhar as quinas
com apeito no pêrto.
C'est la vi mon ami!
Não posso nem xorá aqui.

terça-feira, 10 de agosto de 2010

Oração

Não me deixes ver a ti.
Continue a se esconder atrás
do verde em nós
no ver de mar.
Que minhas palavras não possam ser
simples orações dispostas
à mercê da gravidade,
mas que seja a oração
direcionada ao céu,
uma conversa que ultrapasse
a malha de cumulus nimbus.
Não afaste de mim os cálices,
que eu os beba, se assim quiseres.
Dê os que eu mereço,
Deus,
que preciso
pra aprender,
crescer
e ir te encontrar,
escondido...

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

São Francisco

E os passos, engendrados pela mente
dão vida ao solitário apartamento
que dá as costas pro mar
pra ser mais barato.

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

Texto com fins de escândalo mal sucedido (com todas as interpretações possíveis para a ambiguidade)

Pois é. Resolvi escrever e causar um escândalo. Um grito. Ah! Eu ouço, vocês não ouvem, pois não há ouvidos em olhos, muito menos boca em palavras. Gostaria de escandalizar tanto quanto me escandalizaram. Acho que isso não me é permitido. Talvez a vontade me traga a duas extremas possibilidades: A de escandalizar muito mais, por achar que meu problema é o maior de todos, e dosar de forma incorreta a minha vingança, esquartejando alguém; Ou posso suavizá-la, não por querer, mas por ímpeto automático da piedade inerente ao meu ser, talvez me arrepender depois, tentar fazer de novo e... enfim, voltamos ao esquartejamento. A vingança é fora de cogitação, porque de forma alguma é justa. Só seria justa se fôssemos ideais. Quando se pisa num pé por vingança, pisa-se muito mais forte. E se não piso, não machuco, e vá lá, ninguém quer levar desaforo pra casa.

Muito bem, resolvi escrever um texto. Que maravilha, uma descarga mental, um qualquer-coisa degenerado que só exibe aos poucos transeuntes a minha falta de resolução comigo mesmo. Quer saber? Que se dane. O texto já está escrito mesmo, não tem como apagar, até porque ele não está lá tão ruim. Mas aí me resta uma dúvida: Será que alguém vai ler? E entender? (Quanta pergunta retórica...) Não faz sentido nenhum se ninguém entender, logo, o texto estaria uma grande merda. Mas não está.

Fotos, eu olhei hoje dezenas e dezenas de fotos. Me deu vontade de me vingar. Mas não dá, porque eu estaria sendo alguém ruim. Quanto maniqueísmo, hein? Olhar pra quem te escandalizou e achar que essa pessoa é ruim. Ruim? Essa palavra beira o ridículo. Um desvairado juízo de valor, que aplicado a seres humanos é inútil. Há certas coisas que eu entendo mas me nego a aceitar. A negação é culpa minha. Já devia ter me acertado.

Como irei me acertar? Sem me vingar? Há de haver um jeito! Causar dor no outro, ou puramente satisfação ao meu ser! Existe algo me rasgando por dentro, que tal? Já tentei de tudo. Nada resolve. Comecei a achar que é patológico. Que se explodam as patologias, eu só quero ficar bem! Bem comigo mesmo! Em paz! PAZ!
Paz que alguém me deu, e depois me tirou. Sem nem perceber, sem motivo. Porque se houvesse um motivo, talvez se tornasse no mínimo plausível.

Mas há um jeito de voltar-me à paz. Morrendo. Por isso me matei. Hoje, dia 02 de maio de 1996, com uma dose de qualquer coisa. Engasguei, agonizei, e fui. Espero que nos traga paz.

Um homem foi encontrado com a seguinte carta, em casa de seus pais, trancado no quarto. A televisão estava ligada, sem sinal, e ele estava jogado ao chão, ainda vivo. Foi reanimado, e continua morto, vivendo até o presente dia.

(texto fictício)