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Nem sempre sou quem escrevo, mas sempre sou quem escreve.

sábado, 17 de dezembro de 2011

Cada olhar é uma profecia

- Quem é essa moça bonita aqui?
- Essa foto foi por causa do dia que a gente foi na casa da Bia!
A menina projetou-se na foto que sua mãe lhe mostrava. Na foto, apenas 4. Agora, 5 anos de idade, havia perguntado a sua mãe no dia do seu aniversário se seria aquele o dia que ia ficar maior de altura. Os dentes separados, uma camisetinha rosa que deixava os braços rechonchudos a mostra, uma trança e a cara gordinha faziam do sorriso dessa pequenina uma preciosidade. Estava eu no ônibus a observar tal cena. A mãe, a irmã, e Talita, a menina, sentada no colo de uma das duas, não me lembro ao certo quem.
- Ela vai ficar linda, Carol - disse a mãe para a irmã - o único problema de Talita é a sombrancelha um pouco grossa aqui em baixo - passou a mão e a menina acompanhou com os olhos.
- Pois é, mãe.
Talita olhou para o nada com um sorriso bobo. Projetou todo um futuro agradável, onde o seu único problema seria fazer as sombrancelhas uma vez ao mês. Viraria uma prostituta dali uns 15 anos.

A projeção em uma fotografia de futuro.

Acorde elivelton são cinco da manhã e você tem que fazer café e ir pra obra que você tá fazendo e já está terminando vá para o ponto pegar o cinquentetrês e parta já pro teu trabalho corre logo bota a camisa o boné o chinelo de dedo faz essa barba não deixa o bigode faz você parecer ainda mais pobretão e a gente não quer passar essa imagem pros seus patrões quem sabe um dia a gente possa ser rico elivelton e comprar aquela tevê de prasma que eu sempre sonhei esse é o nosso projeto.

Elivelton subiu no ônibus que eu estava. Sentou no banco oposto ao de Talita.
- Quem é essa moça bonita aqui?
Elivelton olhou profundamente aquela meia-família e riu discretamente da mocinha. Obviamente olhou pras pernas de Carol, a irmã, que usava um short muito pequeno. Mas o que queria mesmo era olhar Talita.
E se ao invés da tevê de plasma, Elivelton quisesse um filho? Calou-se o dia inteiro, na construção, na mesa de jantar, assistindo o jornal. De noite pôs em prática o seu plano de futuro.

Dali um mês viria a descoberta. Dali a nove, nasceria Jorge Adalto. Jorge pois era nome do jogador favorito de Elivelton, e Adalto era o nome do avô de sua mulher. Jorge Adalto. Jor-ge-a-dal-to. Soava como música aos seus ouvidos.

E é curioso como os olhares se ajudam. Não fosse o olhar pelo buraco da câmera, ou a foto sendo mostrada aos olhos de Talita, Elivelton não olharia pra lá, não teria um filho, não morreria tão cedo. Talita e os olhares previam o fim do pedreiro.

- Aí, Jorginho, olha essa foto aqui! Quem é esse rapaz bonito?

Jorginho projetou-se, olhou. Talvez tenha acertado.

- Aí, Jorjão, olha essa foto aqui, é esse cara que a gente tem que matar. Ferrou com a boca, denunciou pra polícia. E aí? A gente pega ele no final do culto da Assembléia de Deus, dá um teco nele, e vaza. O chefe falou que se ele não rodar, quem roda é nós.
Jorjão matou seu pai. Matou por medo de morrer.

Dali a dois anos, Jorjão seria Pastor Jorge Adalto, da Assembléia de Deus. Segundo os comungantes, todos humildes, ex-traficante e ex-drogado, agora profeta.
- Deus olha pra vocês, irmãos. Profetizem.

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