"Quem me dera sair dessa caverna e alcançar o grande parque de diversões que é lá fora. Onde tudo o que se quer, se faz, e onde o significado é um só. A perfeição nos rodeia a todo instante, a perfeição está presente em nós - toda ação que planejamos, mesmo que em fração de segundo, instinto, visa a perfeição. Acertar na mosca, ser perfeito para o bem ou para o mal. O problema é que o mundo não nos permite esse grau de maniqueísmo e tudo o que fazemos, inevitavelmente, cai pra fora do pote. A imperfeição está em cada gesto, e a perfeição, em cada vontade."
Resumia-se a buscar a perfeição naquilo que era, nas suas vontades, bom e amável. Resumia-se, eficazmente, a morrer tentando, e errando, e corrigindo. Acabou simplesmente, sendo amado como um gigante.
terça-feira, 29 de maio de 2012
terça-feira, 15 de maio de 2012
Jorge e o fim
- Somos apenas corpo?
Essas foram as primeiras palavras que sairam de sua boca e entraram em meus ouvidos. Aliás, sempre te respeitei pela sua introspecção, sua capacidade de pensar, unir, aprender, aplicar e no fim, simplesmente sorrir. A vida foi mais generosa com você do que comigo, Jorge. Eu preciso falar demais, narrar a sua história para me resolver comigo mesmo. Ainda mais agora que você está aí, deitado. Não, não somos apenas corpo, rapaz. Somos alma. O corpo é só aonde você dorme. O corpo é a cama da alma. E agora você está aí. A cama de sua alma nessa cama, um lugar que não esperava ver você tão cedo ocupar.
- Onde começa o mar...
E onde termina a cidade? Eu sei, lembro bem de quando isso começou, de como você estava. Infeliz, infeliz. Quantas vezes você chorou ao abrir as janelas? Já perdi essas contas. A verdade é que sorriu umas outras incontáveis vezes ao ver que icaraí brilhava, convidava todos a caminhar no calçadão. E agora você está aqui, sem ver. A maresia corroeu seus cuidados, bem como enferrujou suas ligas, refrescou seus pensamentos.
- E a gente se encontrou...
Em forma de canção. As canções que tocavam na vitrola. Foi ruim ver você decepcionado, Jorge. Ver que os timbres e as harmonias não eram reais. Mas eu estava lá, sinfonicamente, se é que essa palavra existe. Tantas coisas emanam de você, rapaz. E agora você está aí, sem poder cantar, sem poder emanar uma nota sequer.
- Onde termina o dó...
E começa o ré? E a vida vai nos jogando e vamos resistindo, explodindo em cores, subindo, descendo, indo, voltando, nadando contra a maré. Você foi forte demais! A pessoa mais feliz que já vi. O homem capaz de retornar da resistência e voltar a ela com simplicidade e versatilidade. Um acerto sem mácula. Caminhando em direção ao que se chama felicidade. Ao exato ponto entre o ceder e o resistir. O que chamam de fantasia, o que chamam de céu.
E agora você está aí. A linha do monitor de batimentos cardíacos já não oscila. Não te joga pra cima, nem pra baixo. Está no exato ponto entre a sístole e a diástole. Não sei chorar, Jorge, sei apenas lembrar. Sei aprender, sei falar. Agora que você atingiu a fantasia pode me ensinar o dia que nos encontrarmos, como é maravilhoso chegar aí. Não esqueça de comentar: "o céu de fato se parece com aquilo que nós não conseguimos imaginar". Agora vou indo, pois não há mais sentido em falar com você. Agora você está lá, se realizando. O corpo ficou e você foi embora. Morreu.
sábado, 12 de maio de 2012
Dá-me de viver
dá-me de viver
porque a água já não me basta
a comida já não me atende
dá-me de viver
porque o caminho já não tem sentido
o sentimento já virou verbete
dá-me de viver
porque o sonho é apenas sonho
porque o cimento agarrou os pés
dá-me de viver
porque viver é o perfeito equilibrio
e já que me esmero, insisto:
dá-me de viver
se não, morro.
porque a água já não me basta
a comida já não me atende
dá-me de viver
porque o caminho já não tem sentido
o sentimento já virou verbete
dá-me de viver
porque o sonho é apenas sonho
porque o cimento agarrou os pés
dá-me de viver
porque viver é o perfeito equilibrio
e já que me esmero, insisto:
dá-me de viver
se não, morro.
quinta-feira, 3 de maio de 2012
Acordar (ou "O nome das coisas")
É necessário saber separar as coisas que se fundem em uma só. Até porque se compõem, são por si mesmas, e assim, compostas de outros itens que podem ser apenas repetição do que a coisa é em si. Um elemento químico tem átomos e os átomos eletrons, e os eletrons - até onde se sabe - são compostos de eletrons, que são compostos de eletrons...
A verdade é composta de sentimento [?]
Aliás, a verdade é meramente o significado. E o significado incorreto é a mentira, o lugar que se desvia do que é realmente fato. "Ah mas o fato e dependente do ponto de vista e por isso nao existe verdade absoluta mesmo embora isso seja uma afirmaçao falaciosa somos seres deturpadores e nada nada nada e puramente como vimos, que visao maniqueista das coisas"
A verdade é composta de sentimento [?]
Aliás, a verdade é meramente o significado. E o significado incorreto é a mentira, o lugar que se desvia do que é realmente fato. "Ah mas o fato e dependente do ponto de vista e por isso nao existe verdade absoluta mesmo embora isso seja uma afirmaçao falaciosa somos seres deturpadores e nada nada nada e puramente como vimos, que visao maniqueista das coisas"
Ele acordou.
A-cor-dar: verbo. Um verbo é composto de palavra. E a palavra é composta de que? De palavra? A verdade é que a palavra pode ser composta de verdade, ou de mentira.
O verbo tem o mesmo "ver" de verdade, e a mesma força de uma calúnia.
A palavra é composta de significado.
E o significado é ser verdade ou mentira, bom ou ruim, preto ou branco. Mas o que será ser? Será que o ser se resume à vontade? À sentimento?
O sentimento está tão próximo do significado... a verdade está tão longe da palavra...
Ele acordou e não lembrava mais de nenhum nome, de nada. Havia batido de carro, talvez, talvez tivesse tomado remédio demais, talvez tivesse arranjado uma concussão sabe-se lá onde. Mas ele não lembrava mais do nome de nada. Seu pai parou na frente dele, sua mãe. Ele sabia quem eram, e os amava como nunca, mas não sabia dizer. Fazia sons com a garganta, apontava, dali a pouco começou a repetir o tom dos apitos do aparelho médico, a respirar fundo, a tentar gritar todos os palavrões que conhecia, mas ele não sabia mais nenhum. Ao se deparar com a total falta de palavras, chorou. E aos poucos, aceitando sua condição, foi emudecendo, observando, e reaprendendo o som de cada palavra que havia no mundo, e a fundindo com verdade, com significado, com todo o sentimento de um choro. Para ele agora as palavras faziam muito mais sentido, muito mais som, eram muito mais categóricas do que antes. Agora ele sabia separar o que se fundia em uma palavra só: A-cor-dar.
A-cor-dar: verbo. Um verbo é composto de palavra. E a palavra é composta de que? De palavra? A verdade é que a palavra pode ser composta de verdade, ou de mentira.
O verbo tem o mesmo "ver" de verdade, e a mesma força de uma calúnia.
A palavra é composta de significado.
E o significado é ser verdade ou mentira, bom ou ruim, preto ou branco. Mas o que será ser? Será que o ser se resume à vontade? À sentimento?
O sentimento está tão próximo do significado... a verdade está tão longe da palavra...
Ele acordou e não lembrava mais de nenhum nome, de nada. Havia batido de carro, talvez, talvez tivesse tomado remédio demais, talvez tivesse arranjado uma concussão sabe-se lá onde. Mas ele não lembrava mais do nome de nada. Seu pai parou na frente dele, sua mãe. Ele sabia quem eram, e os amava como nunca, mas não sabia dizer. Fazia sons com a garganta, apontava, dali a pouco começou a repetir o tom dos apitos do aparelho médico, a respirar fundo, a tentar gritar todos os palavrões que conhecia, mas ele não sabia mais nenhum. Ao se deparar com a total falta de palavras, chorou. E aos poucos, aceitando sua condição, foi emudecendo, observando, e reaprendendo o som de cada palavra que havia no mundo, e a fundindo com verdade, com significado, com todo o sentimento de um choro. Para ele agora as palavras faziam muito mais sentido, muito mais som, eram muito mais categóricas do que antes. Agora ele sabia separar o que se fundia em uma palavra só: A-cor-dar.
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