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Nem sempre sou quem escrevo, mas sempre sou quem escreve.

terça-feira, 15 de maio de 2012

Jorge e o fim

- Somos apenas corpo?

Essas foram as primeiras palavras que sairam de sua boca e entraram em meus ouvidos. Aliás, sempre te respeitei pela sua introspecção, sua capacidade de pensar, unir, aprender, aplicar e no fim, simplesmente sorrir. A vida foi mais generosa com você do que comigo, Jorge. Eu preciso falar demais, narrar a sua história para me resolver comigo mesmo. Ainda mais agora que você está aí, deitado. Não, não somos apenas corpo, rapaz. Somos alma. O corpo é só aonde você dorme. O corpo é a cama da alma. E agora você está aí. A cama de sua alma nessa cama, um lugar que não esperava ver você tão cedo ocupar.

- Onde começa o mar...

E onde termina a cidade? Eu sei, lembro bem de quando isso começou, de como você estava. Infeliz, infeliz. Quantas vezes você chorou ao abrir as janelas? Já perdi essas contas. A verdade é que sorriu umas outras incontáveis vezes ao ver que icaraí brilhava, convidava todos a caminhar no calçadão. E agora você está aqui, sem ver. A maresia corroeu seus cuidados, bem como enferrujou suas ligas, refrescou seus pensamentos. 

- E a gente se encontrou...

Em forma de canção. As canções que tocavam na vitrola. Foi ruim ver você decepcionado, Jorge. Ver que os timbres e as harmonias não eram reais. Mas eu estava lá, sinfonicamente, se é que essa palavra existe. Tantas coisas emanam de você, rapaz. E agora você está aí, sem poder cantar, sem poder emanar uma nota sequer.

- Onde termina o dó...

E começa o ré? E a vida vai nos jogando e vamos resistindo, explodindo em cores, subindo, descendo, indo, voltando, nadando contra a maré. Você foi forte demais! A pessoa mais feliz que já vi. O homem capaz de retornar da resistência e voltar a ela com simplicidade e versatilidade. Um acerto sem mácula. Caminhando em direção ao que se chama felicidade. Ao exato ponto entre o ceder e o resistir. O que chamam de fantasia, o que chamam de céu.

E agora você está aí. A linha do monitor de batimentos cardíacos já não oscila. Não te joga pra cima, nem pra baixo. Está no exato ponto entre a sístole e a diástole. Não sei chorar, Jorge, sei apenas lembrar. Sei aprender, sei falar. Agora que você atingiu a fantasia pode me ensinar o dia que nos encontrarmos, como é maravilhoso chegar aí. Não esqueça de comentar: "o céu de fato se parece com aquilo que nós não conseguimos imaginar". Agora vou indo, pois não há mais sentido em falar com você. Agora você está lá, se realizando. O corpo ficou e você foi embora. Morreu.

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