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Nem sempre sou quem escrevo, mas sempre sou quem escreve.

sábado, 5 de fevereiro de 2011

Aqui mora gente (in)feliz

Estes dias sim, foram ótimos. A distar de tudo o que se pode sentir - o primeiro beijo, a primeira paixão, as surras, brigas, as traições - nada, nada se compara ao sentimento de ter um filho. Eu fui um filho. E agora sou um filho pai. Lembro que, na minha época de filho, era tudo muito rígido, papai e mamãe religiosos, dogmáticos, não me havia liberdade para nada. Tensão e repressão geram comunmente transgressão: Ah, sim, o dia dos meus cinco anos em que escrevi "vagina" com giz de cera vermelho em todas as paredes da minha casa. Era uma nova palavra - queria mostrar que tinha aprendido. Quando tive o meu primeiro filho, e minha primeira impressão de um sentimento incomparável, decidi que meus filhos poderiam escrever o que quisessem nas paredes, livres de admoestação. Leon escrevia e desenhava todos os dias, desde os seus 3 anos, quando descobriu que isso lhe era permitido. Haviam arvores, projetos de pessoas, uma casa, havia a grafia "Papai". Sim, como eu, aprendeu a ler e escrever sozinho aos 3, e admirava as palavras como verdadeiras amigas. E um dia meu filho me surpreendeu da forma mais incrível. Quando nasceu, pendurei na porta de minha casa uma placa: "Aqui mora gente feliz". E antes do tormento, Leon pichou a placa e alterou a mensagem para "Aqui mora gente infeliz". Perguntei a Leon:
- Sente-se infeliz por morar aqui?
- Não papai, não mesmo.
- E por que mudou a placa?
- Só mudei. Disseram que se eu puser "in" na frente das palavras elas viram o oposto do que significam.
A partir daquele dia as coisas começaram a decair. Leon não escrevia mais nas paredes. Regina teve câncer, deixou-me a inteira responsabilidade de educá-lo, e de livrá-lo dos traumas que sua morte causou. Leon tornou-se médico, pois não quis se tornar artista. Esses dias nos tomaram a alma, nos arrancaram a existência. Todavia, ontem, voltando do mercado, vi o carro de Leon na porta, e ao olhar a porta, ainda rabiscada depois de tantos anos, a placa que ostentava uma nova mensagem: "Aqui mora gente ininfeliz"

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